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Feminismos essencialistas: insumos para qualificar o enfrentamento

Temos reiteradamente chamado a atenção, nos últimos anos, para o avanço dos feminismos essencialistas no ecossistema das políticas antigênero no Brasil, na América Latina e em todo o mundo. Essas correntes têm se multiplicado em tamanho, alcance e na diversidade de suas estratégias. Um ponto crucial de suas agendas, e para onde sua ação política tem se direcionado, é o cerceamento de direitos das pessoas trans, em uma visão dita materialista que reduz às mulheres a uma definição biologizante e homogênea. 

Em alguns casos, como o do Reino Unido, esses feminismos estão já sedimentados no mainstream dos movimentos sociais, com presença na mídia e no Estado. Em outros contextos, como o canadense e mesmo o brasileiro, vêm ganhando mais e mais corpo e adesão, embora a questão ainda não seja sempre lida como séria ou relevante por outros setores feministas ou do campo progressista. E por mais que existam diferenças e particularidades em contextos nacionais e regionais, é nítido também o caráter transnacional deste movimento. 

Sabemos que o embate não é novo dentro do feminismo, que ao menos desde a década de 1970 debate protagonismo e o próprio sujeito político da luta feminista. No entanto, na atual configuração das lutas antigênero, essa disputa ganha novos contornos, nuances, aliados e oponentes. Como tem ficado cada vez mais evidente em todo o mundo, grupos que se autodenominam feministas não se furtam de tecer alianças com setores ultraconservadores, inclusive antiaborto e anti direitos LGBT+, contra os direitos das pessoas trans. A visão essencialista de gênero traz também muitos desafios para pensar (e praticar) um feminismo inclusivo e efetivamente interseccional, que não deixe ninguém para trás. 

É com tudo isso em mente que decidimos disponibilizar alguns materiais chave para qualificar nosso enfrentamento. A seleção de materiais abaixo explora as origens desse movimento, suas tensões históricas e contemporâneas com o o movimento LGBT+, antirracista, decolonial e com campo feminista mais amplo, bem como suas inspirações teóricas e a visão de mundo compartilhada por essa vertente. Entendemos que compreender esses fatores fortalecerão e diversificarão as respostas aos feminismo essencialistas, respostas  essas que ainda se mostram insuficientes em conter seu avanço e penetração no tecido social. É preciso entender a complexidade do movimento que hoje se mostra como “anti trans” para poder responder à altura. 

Este é um desafio para o ano todo, mas nada mais oportuno do que disponibilizá-los na efeméride do 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra as Mulheres. Afinal, um dos motes desses ditos grupos feministas é justamente o combate à misoginia, por eles lida como inevitável ao “transativismo” ou à “teoria queer”, que pretenderiam “apagar as mulheres”. Lidos no contexto das políticas antigênero, no entanto, não resta dúvida que os feminismos essencialistas – e sua visão biologizante, determinista e homogeneizadora – são eles mesmos uma outra face da violência de gênero. E têm implicações para todas as mulheres, para os direitos sexuais e reprodutivos e para a própria democracia. 

Triálogo: Convergências e fraturas em jogo na intersecção entre política antigênero, racismo e colonialidade

Nos dias 11 e 12 de abril, aconteceu no Rio de Janeiro o seminário “Mapeando e resistindo ao fantasma do “gênero” na América Latina: geografias dos movimentos antigênero”, organizado pelo SPW, em colaboração com a London School of Economics and Political Science, o Arts & Humanities Research Council e com o apoio do BRICS Policy Center (PUC-Rio). O evento foi o segundo de uma série de quatro workshops do projeto “Transnational movements and ‘anti-gender’ resistance: narratives and interventions”. 

Este triálogo, com Sayak Valencia (México), Flavia Rios (Brasil), Carla Rodrigues (Brasil) e mediação de Sonia Corrêa (SPW) e Sumi Madhok (LSE),  fechou o primeiro dia de debates, explorando fraturas do campo feminista e sua relação com outras lutas sociais, , a emergência dos feminismos antigênero, além de refletir sobre o próprio conceito de interseccionalidade. 

Assista abaixo:

 

Artigo: Apresentando “TERFs, movimentos críticos do gênero e feminismos pós-fascistas” 

Acaba de ser disponibilizado em português este texto, originalmente publicado na revista TSQ: Transgender Studies Quarterly, em agosto de 2022, como introdução ao dossiê “Trans-Exclusionary Feminisms and the Global New Right” [Feminismos trans-excludentes e a nova direita global]. O artigo reúne elementos teóricos importantes para contribuir no debate a respeito das alianças políticas entre movimentos antigênero e forças políticas de ultradireita. O texto traça relevante e atual panorama do contexto global dessas articulações e, com isso, joga luz em aspectos do fenômeno que também ocorre no Brasil, embora por aqui as elaborações teóricas ainda não tenham alcançado a devida relevância.

O dossiê temático, por sua vez, também imperdível embora esteja disponível apenas em inglês, enfatiza o caráter transfóbico do movimento, definido justamente pela exclusão da população e das políticas trans. As autoras aproximam as reivindicações das feministas transexcludentes – ou representantes do feminismo crítico do gênero, modo como estas feministas descrevem o próprio posicionamento – à tendência antigênero conservadora, crescente no campo político da extrema-direita. O sintagma “movimentos críticos do gênero” está sendo mobilizado a partir da compreensão de que esses movimentos são críticos do conceito de gênero e das aberturas e possibilidades que dele decorrem.

Acesse o artigo aqui

 

Relatório: Feminismos essencialistas: desafios para a luta antipatriarcal

Este relatório contém a síntese de um debate latino-americano sobre feminismos essencialistas realizado em 12/07/22 e organizado por Akahata, Promsex, Puentes, SPW e Synergia. No documento, buscamos oferecer informações sobre a genealogia de controvérsias que parecem novas, mas que são muito antigas, assim como sobre o estado desses debates em outros contextos.

No atual contexto brasileiro, nos parece produtivo e necessário ampliar o arco de diálogos entre os feminismos e o campo de reflexão crítica sobre transgeneridade e de luta pelos direitos das pessoas trans.

Acesse o relatório aqui

 

OUTRAS RECOMENDAÇÕES: 

 Como pensar a democracia após um governo de extrema direita?”, por Flavia Rios

 



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