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Os gays que votam em Trump: o que isso significa para a política sexual?

O aplicativo Hornet de relacionamentos e relações sexuais casuais para homens gays realizou uma pesquisa entre seus usuários do mundo inteiro, que são aproximadamente 10.000 pessoas, sondando em quem votariam para presidência nas eleições gerais dos EUA. Entre seus usuários norte-americanos, 45% disseram que vão votar em Donald Trump no próximo novembro. Apesar das limitações do estudo, seus resultados são sintomáticos e suscitam muita reflexão crítica.

Dos 10 mil homens que participaram da enquete, 12% se identificaram como cidadãos americanos, o que equivale a 1.200. Desses, 51% responderam que iriam votar em Joe Biden nas próximas eleições presidenciais, enquanto 45% disseram que iriam votar em Donald Trump. Esses resultados, quando comparados com outras pesquisas de opinião, indicam que o apoio a Trump é um pouco maior entre homens gay do que na população em geral. Segundo a pesquisa realizada pela Universidade de Monmouth, em setembro de 2020, por exemplo, o apoio a Trump varia entre 42 % e 43%, enquanto o apoio a Biden varia entre 49,5 e 51%.

Já no conjunto da amostra, ou seja, considerando homens gays de outras nacionalidades que usam o Hornet, Trump tem muito menos apoio do que entre gays americanos. Dos 8.800 usuários pesquisados, 66% apoiam Joe Biden e apenas 34% apoiam Donald Trump. As intenções de voto, no entanto, têm uma tendência excepcional na Rússia, onde 58% dos usuários apoiam Trump contra 38% que apoiam Biden, e em Taiwan, onde 51% apoiam Trump e 47% apoiam Biden.

Na América Latina, a maioria das pessoas que responderam apoia Biden (76% dos usuários contra 22% que apoiam Trump), um padrão muito próximo do que se registra na Oceania (74% a favor de Biden e 22% a favor de Trump). No Canadá, 72% votariam em Biden e 26% em Trump e, na Europa, 65% apoiam Biden e 33% apoiam Trump. O apoio a Biden é um pouco menor na África, onde 62% o apoiam e 33% apoiam Trump. A Ásia é a região onde se verifica um percentual um pouco maior de apoio a Trump, de 36%, enquanto 61% votariam em Biden.

Os resultados dos EUA indicam uma forte adesão dos homens gay às política de direita e indicam que, desde 2016,  se ampliou muito entre homens gays a adesão à política de Trump, mesmo apesar do manejo desastroso durante a epidemia de COVID-19 e da maneira como a administração do republicano tem respondido à crise de violência racista do aparato de segurança estatal. Deve essa tendência ser interpretada como uma expressão do homonacionalismo, tal como definido por Jabis Puar? Ou haveria algo mais a ser contabilizado? Neste sentido, é preciso considerar também que a administração Trump – apesar de sua inequívoca pauta neoconservadora contra o direito ao aborto e os direitos das pessoas trans – não se exime de fazer discursos favoráveis aos direitos LGBT, especialmente quanto eles podem ser úteis para atacar países com os quais os EUA estão em tensão, como, por exemplo, o Irã.

Os dados dos demais países – a exceção de Taiwan e Rússia – mostram, ao contrário,  um franco repúdio por parte de homens gays às políticas trumpistas. No caso das regiões do sul global, esse repúdio pode estar associado a uma aversão mais ampla à hegemonia americana. Mas, ainda assim, os percentuais de apoio a Trump, não são exatamente mínimos (variando de 20 a 30%). É particularmente significativo o apoio que se verifica na Rússia, contexto conhecido por uma flagrante homofobia estatal, inclusive porque nos levanta a questão se esse apreço por Trump também expressaria um apreço por Putin.

Os dados são, sem dúvida, limitados e enviesados, especialmente porque excluem os homens gay que não usam esse aplicativo de relacionamento. Ainda assim, implicam evidentes desafios de interpretação e avaliação política. Por exemplo, considerando o peso geopolítico dos EUA nas dinâmicas transnacionais das políticas sexuais, quais são as implicações dessa franca direitização dos gays norte-americanos? Estará isso reverberando em outros contextos pela via dos mercados e das interações digitais?

No conjunto, apesar de seus limites, os resultados nos lembram que identidades e práticas que não se conformam com as normas heterossexuais dominantes não se traduzem necessária ou automaticamente em visões de mundo pautadas pelo apreço pela democracia e justiça social, de gênero e no âmbito da sexualidade mesma. Embora isso não seja exatamente uma novidade, a pesquisa é mais um elemento para sugerir que, no atual estado do mundo, não há linearidade ou coesão automática entre as políticas de identidade e as políticas de contestação da precariedade, do racismo, das injustiças de gênero e, mais especialmente, das racionalidades políticas arbitrárias e autoritárias.

Como bem sabemos o cenário brasileiro tampouco escapa a esse desagradável paradoxo. Nas eleições presidenciais de 2018, apesar da população LGBT ter votado em sua maioria em Fernando Haddad (57%), não é trivial que 29% tenham votado em Bolsonaro, segundo Datafolha. Essa tendência tem se ampliado e se tornou ainda mais visível no lançamento da primeira chapa totalmente composta por mulheres trans ao Executivo. Bia Bancardi e Josi Milagre são candidatas à prefeitura do Espírito Santo pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB) e se consideram conservadoras, a favor da família e do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).



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