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A política de abstinência sexual na imprensa

O SPW compilou e analisou todos os registros de imprensa sobre a política de abstinência sexual anunciada pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Confira a seguir.

por Clara Vale Faulhaber

Em maio de 2019, durante uma visita de trabalho a Buenos Aires, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, concedeu uma entrevista à BBC Brasil e expôs alguns de seus planos e prioridades para os próximos anos. Dentre eles, ganhou destaque a defesa de incluir a ‘abstinência sexual’ na pauta da educação sexual nas escolas. De acordo com a ministra, adiar relações sexuais entre jovens auxiliaria a evitar a transmissão de doenças, como HIV, e a optar por relacionamentos com “mais afeto”.  No mesmo dia, a notícia foi reproduzida pelo jornal O Globo e pelo site da Bol. Nenhuma das reportagens contestou essa proposta do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

A partir do final de  novembro, novas notícias foram publicadas sobre um plano da Ministra Damares de,  em 2020, introduzir nas escolas um programa de promoção da abstinência sexual, chamado “Escolhi Esperar”. A revista Veja publicou uma notícia sobre o seminário que ocorreria sobre o tema, onde estariam presentes Mary Anne Mosack, CEO da ONG Ascend que promove abstinência nos EUA e o pastor Nelson Junior, idealizador da associação cristã ‘Eu Escolhi Esperar’. O objetivo do seminário era a preparação para a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, prevista para fevereiro.  O jornal Gazeta do Povo, que tem vínculos orgânicos com a ortodoxia católica,  publicou em 18 de dezembro uma entrevista com Damares na qual ela falou sobre políticas de prevenção a violência contra as mulheres e também falou sobre a campanha de prevenção à gravidez precoce, criticando  os governos anteriores por terem priorizado políticas de prevenção voltadas para o uso  de camisinhas e anticoncepcionais. Segundo ela, o objetivo do atual governo seria promover o melhor método da  ‘abstinência sexual’, para retardar a relação sexual, estimular conversas sobre sexo e afeto.

No início do ano de 2020, o  programa de abstinência da Ministra Damares voltou à pauta dos principais jornais do país. Do dia 03 de janeiro até 08 de março, foram recolhidas 144 notícias sobre o tema, incluindo a repercussão de um comentário de  Bolsonaro em defesa da política de abstinência que se estendeu a uma repugnante frase contra as pessoa HIV positivas.  Durante o período de 3 de janeiro a 8 de março, 128 notícias e artigos forma publicados sobre a  campanha de abstinência sexual proposta por Damares.  Jornais como Folha de São Paulo, O Globo, Folha de Pernambuco, BBC, El País e revistas como Época, Veja, Isto É e Exame compartilharam, em sua grande maioria, opiniões contrárias ao projeto, argumentando, por meio de evidencias de pesquisa, que nos países onde existe  educação sexual integral nas escolas, a taxa de gravidez na adolescência é menor. Além disso,  especialistas, aí incluída a Sociedade de Pediatria, identificaram  falhas no projeto, como por exemplo, não considerar adolescentes que já estão sexualmente ativos e as vítimas de abuso sexual.  Um dos argumentos mais fortes foi que, mesmo que o adolescente opte por esperar, a política a longo prazo não funciona, sendo um direito do jovem escolher se quer ou não ter relações sexuais e, assim, ser instruído de outros métodos contraceptivos.

Mas houve opiniões mais favoráveis à proposta de Damares. O colunista do blog Saída pela Direita, Fabio Zanini, sugeriu que a política poderia funcionar usando como referência a experiência de Uganda. Essa hipótese não parece se sustentar, pois como argumenta Richard Parker, presidente da ABIA, em artigo publicado na mesma Folha:

O governo Jair Bolsonaro desconhece os sofríveis resultados dos programas internacionais de promoção da abstinência. Desde os anos 2000, os Estados Unidos são os principais financiadores e promotores da abstinência sexual no mundo. Em 2003, no governo Bush, foi lançado o Plano de Emergência do Presidente para a Aids (Pepfar, sigla em inglês), programa bilionário que priorizou investimentos em tratamento e prevenção em países com alta prevalência para o HIV. Em 2006, um terço do total desses fundos foi canalizado para a promoção da abstinência sexual, com foco nos países africanos. Diversas pesquisas já demonstraram o fracasso desses programas, pois não houve redução no número de infecções por HIV entre jovens.

E como era de se esperar, a proposta recebeu um retumbante apoio de publicações e sites conservadores  como Estudos Nacionais, Jovem Pan e Gazeta do Povo, muitas vezes usando também argumentos “científicos”. Um estudo muito citado nesses veículos foi, por exemplo, a uma pesquisa chilena, segundo a qual um grupo de  meninas que recebia educação sexual com informação sobre métodos de contracepção e preservativos teve taxas mais altas de gravidez que outro grupo que respeitou as regras de abstinência sexual,  resultados também questionados por pesquisadoras e pesquisadores chilenos.  Algumas dessas reportagens também preconizam a ‘biologização do gênero’, ou seja, naturalizar o retardo da relação sexual com o objetivo de reprodução e do matrimônio heterossexual.

Nesta trilha, no dia 5 de fevereiro de 2020, JMB declarou o seu apoio ao programa de prevenção à gravidez na adolescência da ministra Damares, declarando que a política é necessária por que uma pessoa com HIV representa “uma despesa para todos no Brasil”. A repercussão dessa fala gerou 10 notícias e a maioria delas de críticas frente à fala. Sites como a Agência AIDS e a revista Carta Capital repudiaram de forma veemente a declaração, alertando sobe a importância do tratamento também como prevenção, além de proporcionar qualidade de vida para as pessoas soropositivas. A colunista Cláudia Collucci, da Folha de São Paulo, escreveu um artigo argumentando que a fala do presidente é inadmissível e desrespeitosa com as pessoas com HIV. A jornalista também abordou a ineficiência, segundo diversas revisões científicas, do programa que propõe abstinência sexual para prevenir gravidez na adolescência.

Não é excessivo dizer, portanto, que a proposta de uma política de abstinência suscitou o debate mais amplo e intenso dos primeiros 13 meses da política sexual do governo Bolsonaro que, como se sabe,  evoca o Kamasutra com suas muitas e constantes posições sobre sexo.

Acesse a compilação completa.



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