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Iniciativa apoiada pelo Brasil para enfraquecer Comissão de Direitos Humanos não avança na OEA

O representante permanente do país junto à OEA, Fernando Simas Magalhães, na Assembleia Geral da organização em Medelim Foto: Reprodução/OEA 28-6-19

RIO – Uma iniciativa apoiada pelo Brasil para enfraquecer a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da OEA que fiscaliza violações no continente, não obteve avanços na última Assembleia Geral da organização, realizada na quinta e na sexta-feira da semana passada em Medellín, na Colômbia. Além disso, o país votou a favor da promoção dos direitos de pessoas LGBTI e para promover e proteger a igualdade de gênero, mas fez a ressalva de que “o governo brasileiro entende o termo gênero como referente ao sexo feminino”.

Em abril, o Brasil, ao lado de Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai, enviou uma carta questionando o funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) e pedindo maior autonomia para os Estados na gestão do tema. O ofício propunha que “tanto os Estados como os órgãos do sistema assumam as suas próprias responsabilidades na promoção e proteção de direitos na região, sem invadir as esferas de competência de cada um”, no que foi entendido por especialistas como uma tentativa de minar a independência do sistema.

No entanto, o texto sobre promoção e proteção dos direitos humanos aprovado na Assembleia Geral do OEA não inclui exigências de mudanças nesse sentido na CIDH. Além disso, um candidato colombiano para a comissão, Evert Bustamante, perdeu a eleição, sendo eleitos candidatos de Guatemala, Jamaica, Panamá e Peru para as quatro vagas abertas. A comissão é composta por sete representantes, que precisam ter independência de governos e ser “de alta autoridade moral e reconhecida versação em material de direitos humanos”.

Bustamante foi severamente criticado por observadores. Há duas semanas, um painel independente composto por juristas e acadêmicos especializados em direitos humanos da região publicou um informe de 90 páginas sobre a eleição, avaliando os candidatos. O painel afirmou ter “dúvidas sobre o grau de suficiência da trajetória em matéria de direito internacional e direitos humanos” do candidato da Colômbia e disse considerar que “o fato de ter sido postulado por autoridades do partido oficial do governo, de que é membro e militante ativo, permite duvidar de sua independência política”.

O resultado é uma derrota para a política externa de Iván Duque, que esforçou-se para sediar a Assembleia Geral em Medellín, com a intenção da vitória de seu candidato. O voto para a eleição no Conselho é secreto.

— A estratégia na Assembleia Geral era incluir um candidato da Colômbia para um dos novos postos da comissão, que supostamente levaria mais em conta as pretensões destes cinco Estados do que da sociedade civil — disse Marcelo Ferreyra, coordenador para a América Latina e o Caribe da organização Synergia: Iniciativas para os Direitos Humanos, que estava presente na assembleia. — O voto é secreto, mas, para nós, está claro que foram os países do Caribe inglês e outros como Bolívia e Uruguai que votaram contra Bustamante.

Na última década, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, composto pela comissão e pela corte interamericanas, tem sido um importante mecanismo para levar à Justiça violações no continente. A corte e a comissão denunciaram da situação de presos políticos na Venezuela aos prejuízos a populações indígenas no processo de construção da hidrelétrica de Belo Monte, o que levou o governo de Dilma Rousseff a deixar a CIDH por quatro anos e cortar os recursos para a OEA.

Além disso, na conferência de Cochabamba, em 2013, o Brasil conseguiu a criação de um grupo de trabalho para avaliar mudanças na escolha dos representantes da comissão. A ausência de medidas semelhantes desta vez é outra derrota para os signatários do ofício de abril.

— Em abril, cinco chefes de Estado, em uma iniciativa em altíssimo nível, tentaram mudanças na CIDH. O fato de a Assembleia Geral não ter aberto nenhuma discussão nem resolução a este respeito joga um balde de água fria nas esperanças desses governos — afirmou Daniel Cerqueira, que monitora deliberações relacionadas ao SIDH para a Fundação para o Devido Processo Legal (DPLF), em Washington.

Enfraquecimento de independência

O ofício de abril, que foi uma iniciativa do governo do Chile, foi criticado por organizações de direitos humanos, que entenderam que as mudanças pretendiam inutilizar o mecanismo de controle de violações no continente, minando a sua independência.

Na ocasião, a organização de direitos humanos Human Rights Watch enviou uma carta afirmando que os governos pretendiam “exercer uma pressão indevida sobre a Comissão e a Corte Interamericanas, e limitar as suas funções, ao introduzir considerações políticas em suas decisões”.

Apesar da ausência de avanço de suas propostas para a CIDH, os governos dos cinco países conseguiram uma pequena vitória na Assembleia Geral, incluindo uma resolução que insta o sistema interamericano a ter “caráter voluntário e estar orientado para contribuir para a melhora da transparência, operatividade, funcionabilidade e eficácia, reafirmando a importância de manter processos de consulta inclusiva, com a participação de todas as delegações interessadas”.

Gênero aprovado com ressalva

Além disso, o governo brasileiro — assim como os Estados Unidos, a quem é alinhado — votou a favor da “igualdade e equidade de gênero, ao empoderamento de mulheres e meninas em toda a sua diversidade”, e também que os países incorporem “um enfoque integral e/ou diferenciado e uma perspectiva de gênero com respeito às pessoas em condições de vulnerabilidade ou historicamente discriminadas que se encontrem privadas de liberdade”.

O documento defende ainda os “direitos humanos e a prevenção da discriminação e da violência contra as pessoas LGBTI”, e entende que, “apesar dos esforços, as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo (LGBTI) seguem sendo objeto de violência e discriminação baseadas em sua orientação sexual, identidade ou expressão de gênero ou características sexuais”. Em vistas disso, o documento apoiado pelo Brasil insta os Estados membros a “fortalecer suas instituições e políticas públicas com o objetivo de prevenir, investigar e sancionar atos de violência e discriminação contras as pessoas em função de sua orientação sexual”.

A aceitação do termo “gênero” contraria o comportamento recente da diplomacia brasileira no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Conforme adiantado pelo jornalista Jamil Chade, o Itamaraty começou a vetar referências à palavra “gênero” na ONU, o que abriu um debate inédito com países europeus, que insistiram pela permanência da expressão.

Na Assembleia Geral da OEA, imediatamente após a aprovação do documento, o embaixador do Brasil na OEA, Fernando Simas Magalhães, fez uma ressalva. Segundo ele, apesar de o documento se referir explicitamente à “identidade ou expressão de gênero”, o governo brasileiro entende que a palavra significa “o sexo biológico feminino”.

— Entre as prioridades do governo brasileiro na área de direitos humanos estão o fortalecimento dos vínculos familiares, o fortalecimento do combate à discriminação e à violência contra as mulheres, sobretudo o feminicídio, e a proteção da vida desde a concepção — afirmou. — É na base da proteção destes valores que aprovamos o documento aprovado nesta resolução, particularmente no que diz respeito aos direitos das mulheres, reafirmando que, neste âmbito, o governo brasileiro entende o termo gênero como referente ao sexo feminino. Manifestamos a disposição de acompanhar o consenso, ressalvando nossa posição a este respeito.

Procurado, o Itamaraty ainda não comentou as suas posições na Assembleia Geral da OEA.

Fonte: O Globo; Imagem: Reprodução/OEA 28-6-19



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