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Painel da sessão 1 – Sexualidade, Estado e Processos Políticos

Dia 24/8/09 – manhã

Painel Sexualidade, Estado e Processos Políticos
Painel Sexualidade, Estado e Processos Políticos

O painel que se seguiu foi coordenado por Sérgio Carrara, co-diretor do Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam), e contou com a participação de Franklin Gil, pesquisador associado da Escola de Estudos de Gênero da Universidade Nacional da Colômbia, Elsa Muniz, da Universidade Autônoma Metropolitana no México, e Gabriel Gallego, diretor do Observatório em Gênero e Sexualidades da Universidade de Caldas, na Colômbia. Foram comentaristas Adriana Vianna, professora do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Rosa María Posa Guinea, da Comissão Internacional de Direitos Humanos para Gays e Lésbicas (IGLHRC).

Franklin Gil compartilhou reflexões sobre a perspectiva interseccional para vincular desigualdades de gênero, sexualidade, raça e etnia e classe. Pontuou que na Colômbia o sexismo, o racismo e o classismo têm dispositivos comuns de funcionamento: a naturalização, a racialização ou sexualização do “outro”, o recurso constante a díade natureza–cultura. Retomando idéias desenvolvidas por feministas negras – Angela Davis, Bel Hooks, Patricia Hill Collins, Kimberley Crenshaw e Mara Viveros – acerca da dupla discriminação ou dos efeitos cumulativos decorrentes da condição de gênero, raça, classe e orientação sexual, Gil sublinhou que esse efeito cumulativo não deve ser pensado como um empilhamento estático, mas sim como uma dinâmica instável e complexa.

O autor também examinou o desafio da pensar interseccionalidade em termos políticos, quer seja no interior dos movimentos da diversidade sexual quer seja no que diz respeito a demandas que fazemos frente ao Estado. Ele enfatizou que, na região, os estados pensam e governam as “diferenças” numa perspectiva essencialista e fragmentada: mulheres, crianças, indígenas, afrodescendentes, gays, lésbicas, travestis etc. Essa lógica é influenciada por uma velha matriz étnico-essencialista (das minorias), mas hoje é retroalimentada pela marca fortemente identitária dos novos movimentos sociais, inclusive o movimento pela diversidade sexual. Isso cria um ciclo vicioso: de um lado, o apelo identitário dos novos movimentos sociais reitera a antiga lógica populacional (minorias) das políticas públicas, de outro, o “governo das diferenças” realimenta os apelos identitários e essencialistas do movimento pela diversidade sexual.

A intervenção de Elsa Muniz recuperou a investigação iniciada pela Procuradoria Geral de Justiça contra uma jovem de 20 anos que teria feito um aborto usando o medicamento Cytotec (Misosprostol), no Estado de Guanajuato, no México, pois esse caso é paradigmático dos paradoxos da interseção entre políticas sexuais e políticas estatais. Entre outras razões, porque revela o peso da igreja católica e de outros setores conservadores como obstáculos poderosos para a agenda do aborto legal. Mas, segundo ela, os impasses das relações com o Estado não decorrem apenas da influência de forças religiosas, mas também dos efeitos da lógica neoliberal e dos processos de globalização que produzem um “estado esquizofrênico”:

“É indiscutivelmente significativo que, na abertura democrática, o uso da ‘linguagem dos direitos’ tenha sido assumida como ‘língua franca’ por parte dos governantes e da sociedade. Contudo, a experiência cotidiana mostra que o emprego de um discurso hiperdemocrático não garante seu reflexo sobre as leis ou a aplicação das mesmas”.

Gabriel Gallego examinou a questão da regulação, lembrando que o regime da sexualidade promove a coerência interna dos padrões daquilo que uma sociedade define como normal. A regulação estatal visa produzir coincidências entre corpo, gênero, desejo, identidade e prática. Os processos de democratização recentes da região intensificaram tanto a politização quanto a regulação da diversidade sexual. Isso não significa que antes o “sexo” estivesse excluído das lógicas do poder, mas a democratização tornou a regulação mais explícita, inclusive por que a sexualidade, como construção cultural e política, aciona forças desestabilizadoras da ordem estabelecida. É preciso lembrar ainda que a regulação se move do plano micro político (crianças, famílias e parentesco, apropriação de espaços públicos de sociabilidade) ao plano macro das políticas públicas e das leis (igualdade, liberdade, privacidade, mas também o crime e moralidade social)

Gallego considera que a Colômbia constitui um caso paradigmático para examinar os novos processos de regulação sexual. Em anos recentes, tanto o movimento feminista teve ganhos importantes, como a despenalização parcial do aborto (2006) quanto houve avanços jurídicos muito importantes por efeito da atuação estratégica de grupos intelectuais e de classe média junto à Corte Constitucional. Entretanto esses ganhos decorrem mais da ação estratégica de grupos de intelectuais de classe média e não tanto de uma mobilização social ampla como acontece em outros países.

Essas iniciativas tiveram lugar depois de vários fracassos no sentido de alterar as normas sexuais por via legislativa, o que sugere um cenário peculiar para examinar criticamente as relações entre hegemonia e subalternidade no que diz respeito às lutas ao redor da sexualidade não heterossexual. Adiciona-se ao mesmo cenário a realidade brutal do conflito armado, que deixa vastos setores à mercê da lógica de regulação imposta por setores não controlados pelo aparato de estado. Esses atores não estatais operam, sistematicamente, com base numa lógica de “limpeza social”, eliminando tudo o que está “fora de ordem” e afetando, especialmente, prostitutas e travestis.

:: COMENTÁRIOS ::

A comentarista Rosa María Posa Guinea iniciou a sessão de comentários, apontando questões referentes à apresentação de Franklin Gil sobre interseccionalidade. Ela lembrou que, ao contrário da imagem dos conjuntos em interseção que se aprende nas aulas de matemática, nos quais são os centros que se intersecionam no caso dos movimentos da política sexual, em geral, são as partes periféricas que se sobrepõem. Mas segundo ela, essas iniciativas de aproximação entre “causas” pela margem tem tido resultados interessantes de interseccionalidade na América Latina e no Caribe.

Comentando o trabalho apresentado por Elsa Muniz, Rosa ressaltou que a relação dos movimentos com os estados – partindo do conceito de que estado é aquilo que administra a esfera pública – é uma contradição perene. Isso pode ser ilustrado pelos debates em curso no interior do movimento LGBT paraguaio que, ao mesmo tempo, em que reivindica o reconhecimento da união civil de casais homossexuais, questiona se, de fato, o Estado deve regular essas relações.

Já sobre a apresentação de Gabriel Gallego, a comentarista elogiou o esforço feito no sentido de dar visibilidade a outras formas de disciplinamento sexual que vão além da regulação estatal no sentido clássico. E concordou com o comentário feito por Gallego acerca dos efeitos danosos da cooperação internacional, ressaltando que não apenas no campo LGBT ou dos direitos das mulheres, mas de uma forma mais ampla, sua intervenção tem implicado numa espécie de ‘ditadura dos projetos’.

Adriana Vianna, como segunda comentarista, falou de perturbações que havia experimentado ao ler os trabalhos. Por exemplo, identificou como um “problema” no texto panorâmico elaborado por Rafael de la Dehesa e Mário Pecheny a sugestão de que pensemos em políticas públicas interseccionais. Isso porque ela considera que é sempre difícil adotar uma perspectiva interseccional nesse plano, pois este se define a partir de dois macro idiomas políticos contemporâneos que estão sempre tensionados – um mais universalista e outro mais identitário:

“Reconhecendo que nenhum movimento pode dar conta da pluralidade de situações de discriminação e subalternidade, não seria pedir em excesso dos movimentos que eles dêem conta de máximos abrangentes e minuciosos? Qual seria uma pauta mínima e ampla o bastante que pode agregar atores e sujeitos que falam de lugares tão diferentes”.

No que diz respeito às apresentações do painel Adriana interrogou uma certa tendência a privilegiar o “estado” como foco central das análises. Lembrou que, de maneira geral, o conceito de estado suscita tanto entre ativistas quanto acadêmicos, o imaginário de uma entidade moral fabulosa, que ora se apresenta em contraposição com a política sexual, ora significa a esfera de resolução de nossos problemas e direitos.

A partir da fala de Gabriel sobre os diferentes atores presentes no processo de regulação da sexualidade na Colômbia, ela chamou atenção para um aspecto ou dimensão de que pouco se fala: o estado como experiência na vida concreta dos sujeitos, ou seja, as instituições estatais que intervém no cotidiano das pessoas, que marcam as experiências individuais no plano da micropolítica, uma marca que, quase sempre, se materializa através dos corpos.

Finalizando, Adriana correlacionou estado e direitos, lembrando que, de um lado, os direitos são menos a norma estatal do que uma categoria moral e ferramenta de articulação fundamental. Ou seja, ‘direitos’ constituem uma categoria polissêmica. De outro lado, o estado também é um conjunto contraditório de discursos e práticas, um emaranhado de experiências complexas e diversificadas. O reconhecimento dessa multiplicidade de significados pode contribuir para esclarecer nossa compreensão acerca das insuficiências da política quanto à complexidade das intereseções entre sexualidade, estado e direito.

> Leia o resumo da sessão 1



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