Em meio às intensas e necessárias discussões públicas suscitadas pela votação do PL 1904/2024, que criminaliza o aborto legal realizado após a 22ª semana de gestação, voltam a circular velhos argumentos simplistas, seja contra o direito ao aborto, seja a favor. Entre outros, uma “bala de prata” que sempre volta quando o debate sobre o direito ao aborto esquenta no Brasil. Trata-se da hipótese levantada pelos economistas norte-americanos Steven Levitt e Jonh Donahue, em artigo de 2005, segundo a qual a decisão Roe Vs Wade de 1973, que assegurou o direito ao aborto, teria impactado na redução da criminalidade nos EUA. À época, a tese foi replicada ad nauseam em muitos quadrantes, inclusive num artigo em defesa do aborto assinado pelo então governador fluminense Sergio Cabral, publicado na Folha em 2007.
Não surpreendentemente, a tese de Levitt e Donahue voltou à baila nesta semana num artigo da Ilustrissíma, no qual a autora afirma, sem tergiversações, que o “aborto mata”. Em seguida, contudo, ela resgata a tese de Levitt e Donahue para argumentar que: “…a legalização do aborto pode diminuir a violência. Mesmo sem consenso, é uma hipótese com muitas evidências. Por isso, precisa ser considerada. Infelizmente, o aborto é um caminho imperfeito, mas parece ser necessário enquanto se espera por menos pobreza e mais educação no Brasil”.
Essa ressurgência, nem tão inesperada, também nos inspirou a abrir a tampa do baú e resgatar um artigo de George Martine e Sonia Corrêa, publicado em 2007, em resposta ao então governador Cabral, na mesma Folha. Seu título, Os perigos da simplicidade, já diz muito sobre os argumentos arrolados no texto, mas vale a pena retornar à sua conclusão, pois Martine e Corrêa contestam com vigor o fascínio das soluções fáceis para resolver crises sociais graves e multidimensionais. Ao fazê-lo lembram, inclusive, que “historicamente, as políticas de controle da fecundidade que fizeram recurso ao aborto de maneira instrumental, seja por motivações eugênicas, seja como caminho para solucionar problemas sociais complexos, não apenas foram condenadas como abuso dos direitos humanos, mas também não tiveram os resultados esperados.” Vale a pena ler de novo!