Por Sonia Corrêa
Uýra Sodoma é uma artista performática amazônica não binária. Ela é interseccional em todos os sentidos. Numa de suas múltiplas camadas, Uýra é descendente de Mundurukus, noutra é Emerson, biólogo especialista em anfíbios. Numa entrevista de 2018, Emerson lembrou que, em 2016, quando o Brasil vivia um golpe, “era decisivo que Uýra existisse”.
A arte de Uýra Sodoma é plástica, mutável, transitória. É tanto destrutiva e quanto regenerativa, como também o são as transformações contínuas da ecologia úmida e proliferativa da floresta tropical. Replica e altera as forças e formas do território onde nasceu. Sua exploração contínua não é guiada pelo desejo de domínio mas pelo encanto do reimaginar. As formas que Uýra Sodoma cria a partir de seu próprio corpo são enredadoras e deslumbrantes. No centro delas, um olhar agudo escava e revela o está oculto sob os escombros da conquista colonial e sua história sem fim. Encontra e ilumina os resquícios do que parecia desaparecido em espaços onde outros olhos só enxergam homogeneização e destruição. Muta catástrofes em rastros breves de encanto e converte o que até ali nos parecia belo em signos de hecatombes esquecidas.
Uýra Sodoma acaba, merecidamente, de ganhar o prêmio Pipa. Ela veio ao mundo quando um primeiro ciclone do giro político à ultradireita varria nosso território. Hoje, seu corpo adereçado e sua hibridez identitária evocam as presenças inusitadas de Célia Xakriabá, Sonia Guajajara, Érika Hilton e Duda Salabert no Congresso Nacional. Mas também as performances cantantes de Pablo Vittar e Liniker também agraciadas com prêmios internacionais inéditos em 2022. Sua arte ancestral, florestal, queer coincide com os sentimentos, desejos, urgências da comunidade imaginada chamada Brasil nessa travessia, que apenas se inicia, entre a beira do abismo e uma outra margem onde será, talvez, possível respirar de novo.
Para saber mais sobre a Arte de Uýra Sodoma leia o artigo da Revista Elástica e visite seu perfil no Instagram.