Por Carmen Barroso
Conheci Adrienne quando ela veio ao Brasil em 1974, na condição de jovem assessora da Fundação Ford.
Eu entendi, imediatamente, que ela era diferente de todas as pessoas que eu tinha conhecido até então. Ela tinha o comportamento profissional usual, exalando competência e seriedade de propósito, e um foco afiado na tarefa em mãos. Mas ela tinha algo mais: uma combinação de objetividade de propósito com empatia calorosa que quase não parecia combinar.
Ela estava viajando para avaliar o potencial de apoio aos esforços dos direitos das mulheres no país. Eu tinha acabado de me doutorar em Psicologia Social na Universidade de Columbia e havia voltado ao meu trabalho de pesquisadora no Departamento de Pesquisa Educacional na Fundação Chagas. Tanto esse departamento quanto meus estudos no exterior foram generosamente apoiados pela Ford e eu conhecia algumas pessoas que trabalhavam na sede em Nova York e em seu escritório no Rio. Nosso relacionamento era respeitoso e cordial, mas não sem problemas.
Sempre houve algum constrangimento, em parte devido ao desequilíbrio de poder ligado à nossa dependência financeira por suas bolsas e financiamentos, mas também principalmente devido à sombra que paira sobre a imagem da Ford, manchada por vínculos reais ou imaginários com a CIA. Não tivemos acesso a informações para confirmar ou desmentir essa imagem, mas estávamos confiantes de que os contratos de financiamento que aceitamos não estavam de forma alguma determinando os rumos do nosso trabalho. Ainda assim, era óbvio que, por estarmos associados a eles, estávamos arriscando a confiança que conquistamos em nosso campo. E, paradoxalmente, também nos deu o prestígio de um “selo de aprovação” de uma organização estrangeira.
O Brasil estava sob uma ditadura e o medo de cair nas mãos da brutal polícia política era generalizado. Mesmo pequenos grupos realizando atividades benignas, como conscientização, exigiam um exame cuidadoso dos participantes e evitavam gravações que pudessem ser usadas como evidência de dissidência. Infiltrados e informantes pareciam estar em toda parte.
Adrienne foi muito transparente sobre seu papel e objetivos, mas suas perguntas inquisitivas tocavam em assuntos que não estávamos acostumados a discutir nem entre nós, muito menos com alguém na posição dela.
Seu compromisso com os mesmos valores que defendíamos era tão claro que até uma mulher cega pelo medo podia ver. Rapidamente aprendemos a confiar nela. Acostumamo-nos com suas perguntas incômodas e percebemos que fizeram com que ampliássemos a compreensão de nossas próprias motivações e estratégias.
Nos quase 50 anos seguintes, ela permaneceu profundamente engajada nas mesmas causas e eu tive o privilégio de manter contato com ela de uma forma ou de outra. Houve períodos em que trabalhamos juntos, outros de formas mais distantes. Houve momentos em que concordamos plenamente, outros não. Meu respeito e admiração por suas qualidades únicas e suas grandes conquistas sempre cresceram.
Hoje, me junto a seus numerosos admiradores para celebrar uma vida bem vivida e uma morte em seus próprios termos.