Em artigo, integrantes da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito da Argentina contam como a mobilização para legalização foi construída e falam da importância do assunto voltar a ser debatido no parlamento argentino: ‘é necessário e urgente’.
por Maria Alicia Gutiérrez, Martha Rosenberg e Elsa SchvArtzman*
Em 17 de novembro, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, apresentou à Câmara dos Deputados do Parlamento Nacional o projeto que legaliza a interrupção voluntária da gravidez, uma promessa de campanha, ratificada em 1º de março de 2020, na abertura das sessões ordinárias do Congresso. Para o presidente este se coloca como um grave problema de saúde pública que compromete a vida e a saúde das mulheres e pessoas gestantes.
A Covid-19 e a declaração sobre Isolamento Social Preventivo (ISP) de 20 de março impediram a apresentação desse projeto de lei naquele mês, pela exigência de uma estratégia de fortalecimento do sistema de saúde para enfrentar a pandemia. Da mesma forma, foram estabelecidas políticas para setores em situação de maior vulnerabilidade, bem como ajuda a empresas para minimizar o desemprego.
Por sua vez, o Programa de Saúde Sexual do Ministério da Saúde Nacional acatou as diretrizes da OMS, declarando essenciais os serviços de saúde sexual e reprodutiva e o acesso à interrupção legal da gravidez.
Essa nova oportunidade para debater o tema foi gerada pela convicção por parte da presidência e pela existência de um movimento feminista — a Maré Verde — que vem demandando a legalização do aborto há muitos anos.
Um aspecto chave é a existência, desde 2005, da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal Seguro e Gratuito, construída horizontal e democraticamente com a inclusão das e dos jovens e um frutífero intercâmbio coletivo e intergeracional que gerou seis projetos de descriminalização e legalização apresentados oito vezes.
Em 2018 viabilizou-se o debate na Câmara de Deputados, com mais de 700 intervenções (a favor e contra), com resultado positivo e rejeição, por pouquíssimos votos, na Câmara de Senadores. A enorme quantidade de pessoas nas ruas durante os debates evidenciou o processo de “descriminalização social”.
O aborto saiu do armário e o lenço verde, com o slogan “educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer” se expandiu globalmente. Em 28 de maio de 2019, a Campanha apresentou novamente seu projeto, que será debatido, junto com todos os outros projetos que se apresentem, inclusive o recém-enviado pelo presidente.
Estão dadas as condições sociais e políticas para saldar uma dívida histórica da democracia. O Executivo considerou ser este o momento propício, junto com outras leis econômicas e do meio ambiente. Paralelamente, ocorre a renegociação da dívida com o FMI os e fundamentalistas e conservadores estão à espreita.
Sempre existem justificativas de “força maior” para atrasar a legalização do aborto em um sistema capitalista e patriarcal. Uma vez mais, as feministas argentinas, em histórica aliança com múltiplas interseccionalidades, estão dispostas a sair às ruas para conquistar o voto positivo.
É necessário e urgente: Aborto Legal 2020.
*Maria Alicia Gutiérrez, Martha Rosenberg e Elsa SchvArtzman fazem parte da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito da Argentina
Texto originalmente publicado em Celina, O Globo em 21 de novembro de 2020. Acesse o post original aqui.