Por ocasião do Dia Internacional da Memória Trans, celebrado em 20 de novembro, a equipe do TvT — Transrespect versus Transphobia Worldwide publicou os resultados do “Observatório de Pessoas Trans Assassinadas Globalmente”, feito pela ONG Transgender Europe. De acordo com o boletim, o Brasil segue na liderança como o País que mais assassina transexuais em todo o mundo com 152 notificações, mantendo a posição pelo 12º ano consecutivo, desde que o projeto iniciou a pesquisa em 2008.
O ano de 2020 tem se mostrado um dos mais violentos já registrados contra pessoas trans e pessoas subversivas de gênero no Brasil, México e nos Estados Unidos. A atualização de 2020 lançada pela TGEU revelou o total de 350 casos de assassinatos contra essa população em todo o mundo, entre 1º de outubro de 2019 e 30 de setembro deste ano. O total representa um aumento de 6% em relação aos casos relatados no ano passado, quando 331 pessoas trans perderam a vida devido à violência de ódio.
Mais uma vez na liderança entre todos os países, o Brasil registrou 152 pessoas trans mortas no período rastreado. Dos 75 países contabilizados na pesquisa, México e Estados Unidos classificaram-se nos 2º e 3º lugares, com 57 e 28 homicídios anti-trans, respectivamente. A TvT notou uma tendência alarmante nos assassinatos dessa população desde que começaram sua análise anual, em 2008.
Este ano, o Brasil tem quase três vezes mais números que o México, segundo da lista, e quase seis vezes mais casos que os EUA. Durante todo o período de 12 anos da pesquisa, foram encontrados 3.664 casos notificados em 75 países e territórios de todo o mundo, entre 1º de janeiro de 2008 e 30 de setembro de 2020. Desses, o Brasil concentra 1.520 assassinatos, representando 42% do total de casos. Já o México, segundo colocado, reúne 528 mortes (14% do total), e os EUA, em terceiro, registrou 271 assassinatos (7%).
“Os dados são um testemunho de como a Covid-19 está afetando desproporcionalmente as pessoas trans em todo o mundo, especialmente aquelas mais marginalizadas, pessoas racializadas, profissionais do sexo, migrantes, jovens e pobres. Embora a Covid-19 afete a todos nós”, acrescentou o grupo. “As diferenças e desigualdades sociais são aprofundadas pela pandemia, enfatizando as lacunas na falta de legislação e proteção sistêmica de pessoas trans.”
“Como consequência da pandemia da Covid-19, bem como do crescente racismo e da brutalidade policial, as vidas de pessoas trans e de gênero diverso estão em risco ainda maior”, disse a organização em um comunicado à imprensa. E aqui acrescento ainda a crise social e econômica provocada pela pandemia do coronavírus sem uma resposta efetiva do Estado; a violência estatal — por ação direta ou indireta quando nega acesso a direitos e se omite na defesa de corpos trans; a crescente agenda global anti-trans; a aliança entre conservadores e feministas radicais em uma cruzada contra os direitos das pessoas trans; além do avanço de uma onda fascista pelo mundo e o acirramento das desigualdades em países em desenvolvimento que admitem uma agenda neoliberal.
A análise da TvT mostra que 98% dos assassinados em todo o mundo eram mulheres trans ou pessoas transfeminadas. Reforçando as pesquisas brasileiras, onde esse ano a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) tem demonstrado que a violência de gênero aparece como um dos principais fatores no assassinato de pessoas trans.
Além disso, pessoas racializadas representavam 79% das pessoas trans assassinadas nos Estados Unidos durante o período que pesquisaram. Quando examinados globalmente, 38% dos assassinatos ocorreram nas ruas, enquanto 22% dos incidentes ocorreram na casa da vítima. A média de idade das vítimas é 31 anos, sendo a vítima mais jovem 15 anos.
No Brasil, a ANTRA e o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE) lançam anualmente dados sobre violência transfóbica, como a principal pesquisa do tipo e que é responsável pelos dados que são utilizados pela TGEU no mapeamento do ranking mundial. A pesquisa feita pelas instituições demonstra que 82% das pessoas trans assassinadas no Brasil são negras (pretas ou pardas) e que 67% eram profissionais do sexo. A idade média das assassinadas no Brasil é de 26 anos e a chance de uma pessoa trans ser assassinada no Brasil é 9 vezes maiores que nos Estados Unidos.
No entanto, os números não representam exatamente a realidade, que pode ser ainda pior, visto que incluem apenas informações encontradas online e relatos de ativistas locais e organizações parceiras. Muitos casos de assassinatos contra pessoas trans não têm visibilidade e não são conhecidos do público porque enfrentam um processo constante de subnotificação, não foram relatados ou foram relatados erroneamente, com muitas vítimas sem respeito à identidade de gênero ou menção do nome social.
Veja abaixo o ranking mundial dos países que mais assassinaram transexuais em 2020:
O Transgender Day of Remembrance é uma celebração anual lançada em 1999 pela defensora trans Gwendolyn Ann Smith como uma vigília para homenagear a memória de Rita Hester, uma mulher trans que foi morta em 1998. De acordo com a Campanha de Direitos Humanos, 34 transexuais ou pessoas que não se conformam com o gênero já foram mortas este ano nos Estados Unidos, marcando um recorde. Já pelos dados da ANTRA, foram 154 travestis e mulheres trans assassinadas no Brasil, até até 14 de novembro de 2020.
A TGEU também lançou uma campanha global sobre a importância de visibilizarmos os dados e incluiu a ANTRA e o IBTE, responsáveis pela pesquisa no Brasil, em seus materiais que serão lançados em vários idiomas/países.
Texto de Bruna Benevides originalmente publicado em Revista Híbrida em novembro de 2020. Acesse o post original aqui.