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O nexo antigênero no projeto neoliberal de Bolsonaro

No dia 12 de maio, quando o Brasil registrava 14 mil mortes por covid-19, Bolsonaro prometeu enviar em caráter de urgência ao Congresso Nacional uma lei para proibir a “ideologia de gênero”. A declaração foi uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional a lei de Goiânia que proíbe a “ideologia de gênero” na educação. Dias antes, direcionado à mesma Corte, JMB marchava com um cortejo de empresários do Palácio do Planalto até o STF para, pessoalmente, pressionar pela suspensão de medidas de isolamento social que ameaçam a “morte de CNPJs”. A relação entre “ideologia de gênero” e empresários não é nova. As antropólogas Sonia Corrêa e Isabela Kalil identificam o início formal dessa compactuação no evento em que a figura da filósofa Judith Butler foi queimada na frente do SESC Pompeia, em ocasião de uma palestra que deu em 2017. Uma semana depois, Bolsonaro apresentaria Paulo Guedes como seu Posto Ipiranga, selando a cruzada antigênero à agenda ultraneoliberal, como argumentam.

“A queima da efígie de Judith Butler foi um ponto de inflexão e pode ser considerada o marco zero da campanha política de Jair Bolsonaro. Isso porque tornou visível, pela primeira vez, a junção de diferentes forças políticas que até então se encontravam em campos distintos. Se a vitória de Jair Bolsonaro só pode ser entendida a partir de uma coalização temporária de diferentes forças, é a noção de “ideologia de gênero” que irá fornecer a “cola simbólica” desta coalização. No caso brasileiro, esta cola conseguiu unir setores conservadores e liberais, assim como campos religiosos historicamente em disputa no Brasil, como católicos e evangélicos”, afirmam as autoras.

Sonia Corrêa (SPW/ABIA) e Isabela Kalil (FESPSP) apresentaram na última quarta-feira (13/05) os resultados da pesquisa ‘Políticas Antigênero na América Latina: um panorama a partir do laboratório brasileiro’ durante o Congresso 2020 da Associação de Estudos Latino Americanos (LASA). Conduzem essa investigação com mais nove pesquisadores da região, ressaltando os traços comuns e particularidades que assume a fórmula da “ideologia de gênero” em cada contexto. Também participaram do painel Éric Fassin (Universidade Paris 8) e Felipe Fernandes (UFBA).

As pesquisadoras ainda situam os ataques contra Butler tendo uma outra grande importância. Seria o mais bem sucedido empreendimentos da cruzada contra a pedofilia e a “ideologia de gênero” do ano de 2017 e serviria de laboratório para a forma dos protestos da extrema-direita brasileira. A truculência desse protesto inaugurou uma nova forma, que quebrou o decoro da conduta de demonstrações políticas, esgarçando os limites de aceitabilidade da esfera pública e do exercício democrático. Isso tem reflexos atuais na emergência de acampamentos armados e agressão contra profissionais da saúde no contexto da epidemia, por exemplo. Como a pesquisa aponta, os efeitos dessas ofensivas não podem ser pensados somente como regressão em termos de gênero e sexualidade, mas a elementos mais amplos da democracia, assim como em termos subjetivos, exemplificados no grau de aceitação a valores e práticas democráticas.

Leia os estudos completos aqui (em espanhol). A versão em português vai estar disponível em breve.



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