Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro
Carta aberta aos Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres, diretores de agências da ONU e líderes nacionais
Dia Internacional do Aborto Seguro, 28 de setembro de 2019
“Aborto é uma questão de saúde – #MyAbortionMyHealth”
Aos
Sr. António Guterres, Secretário-Geral, Nações Unidas, @antonioguterres
Sra. Phumzile Mlambo-Ngcuka, Diretora-Executiva, ONU Mulheres, phumzile.mlambo-ngcuka@unwomen.org
Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor-Geral, Organização Mundial da Saúde, info@drtedros.com
Dra. Natalia Kanem, Diretora-Executiva, UNFPA, @UNFPAExecutiveDirector
Sr. Achim Steiner, Administrador, UNDP, achim.steiner@undp.org
Sra. Henrietta Fore, Diretora-Executiva, UNICEF, @unicefchief
Sra. Audrey Azoulay, Diretor-Geral, UNESCO, @AAzoulay
Sra. Winnie Byanyima, Diretora-Executiva, UNAIDS, @Winnie_Byanyima
cc: Diretores e diretoras dos órgãos de direitos humanos da ONU, Ministros e Ministras da Saúde, das Mulheres e do Desenvolvimento Internacional em todos os estados-membros das Nações Unidas
Estimados Secretário-Geral Guterres, líderes nacionais e internacionais,
Nós escrevemos esta carta a vocês como seus cargos de liderança das Nações Unidas e de suas agências, e através de nossos membros nos dirigimos também aos líderes nacionais no intuito de convidá-los a apoiar o Dia Internacional do Aborto Seguro, o 28 de setembro, e demandar que as Nações Unidas instaurem esse dia como uma data oficial do calendário ONU.
O Dia Internacional do Aborto Seguro é celebrado desde 1988, tendo como origem a América Latina. A data foi escolhida em comemoração à abolição da escravatura no Brasil. Foi finalmente declarado dia internacional em 2011. Em 2012, eventos e atividades foram realizados em mais de cinquenta países e, dentro de alguns anos, chegou a ser celebrado entre sessenta e sessenta e cinco países em todos os continentes. Hoje, um número cada vez maior de líderes nacionais e órgãos de direitos humanos reconheçam esta data e se pronunciam em defesa de seus objetivos. Assim como, a cada ano que passa, jornalistas brindam cada vez mais atenção e espaço a este dia, atraindo figuras nacionais de proeminência ao debate.
Os quase mil e quatrocentos membros da Campanha ao redor de cento de vinte e seis países, além de nossos colegas em várias organizações internacionais, regionais e locais, se tornaram um movimento, cujo objetivo a longo prazo é o acesso universal ao aborto seguro, delimitado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Nós acreditamos que a maternidade deve sempre ser voluntária e nunca compulsória. Esta é uma questão que deve ser analisada, acima de tudo, como uma pauta de equidade de gênero e de autonomia das pessoas que engravidam sobre seus próprios corpos e suas próprias vidas.
“Aborto é uma questão de saúde” é o tema do Dia do Aborto Seguro deste ano de 2019. É especialmente relevante porque as maiores conferências internacionais dos anos de 2018 e 2019 tiveram como seu tema central saúde e cuidados, desde a Conferência Global sobre Cuidados Primários de Saúde em outubro de 2018, às conferências sobre Cobertura Universal de Saúde e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e até a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento que será realizada em novembro de 2019. Talvez o lema mais importante entre todas essas conferências – um que também se aplica ao “aborto é uma questão de saúde” – seja “Não deixando ninguém para trás”.
Na última década, um número crescente de organismos de direitos humanos da ONU – incluindo a CEDAW, o Comitê contra a Tortura, o Comitê sobre os Direitos da Criança, o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Comitê sobre Direitos Civis e Políticos, o Alto Comissariado de Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho da ONU sobre discriminação contra mulheres na lei e na prática e a Comissão Africana pelos Direitos Humanos e das Pessoas (ACHPR) – clamaram que o aborto seja descriminalizado e seja promovido de forma segura.
Em 2018, o Comitê da ONU de Direitos Humanos publicou o Comentário Geral N. 36 sobre o direito à vida, Artigo 6, da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos (CCPR/C/GC/36). Neste, o parágrafo 8 sobre o direito à vida em relação ao aborto, estabelece que:
“Mesmo que os Estados possam adotar medidas para regular a interrupção voluntária da gravidez, tais medidas não podem resultar na violação do direito à vida da mulher ou menina grávida, ou dos direitos delas estabelecidos nesta Convenção. Assim, restrições à possibilidade de mulheres e meninas buscarem o aborto não podem, inter alia, ameaçar as suas vidas, sujeitá-las a dor ou sofrimento físicos e mentais, que violam o Artigo 7, não podem discriminá-las ou arbitrariamente interferir na sua privacidade. Os Estados devem prover o acesso seguro, legal e efetivo ao aborto quando a vida ou a saúde da mulher ou menina grávida correr risco e quando levar uma gravidez a termo causaria na dor ou no sofrimento da mulher ou menina grávida, mais notavelmente quando a gravidez é resultado de estupro, incesto ou quando a gravidez não é viável. Além disso, o Estados não devem regular a gravidez ou o aborto em todos os outros casos de maneira que contrarie o seu dever de garantir que mulheres e meninas não recorram a abortos inseguros e, assim, os Estados devem revisar as suas leis em conformidade com essas definições. Por exemplo, os Estados não devem tomar medidas que criminalizem a gravidez de mulheres não casadas ou que apliquem sanções criminais contra mulheres e meninas que abortam ou mesmo contra agentes de saúde que as assistem no processo, tendo em consideração que tais medidas compelem mulheres e meninas a recorrer ao aborto inseguro.”
Nós os instamos a assegurar que tais medidas sejam implementadas por todos os Estados. Ao redor do mundo, uma a cada quatro gravidezes termina num aborto induzido. O aborto é uma das práticas mais seguras em alguns países. Mesmo assim, metade de todos os abortos induzidos internacionalmente continuam sendo inseguros, acarretando em complicações, sofrimento e morte que são quase absolutamente evitáveis. Este cenário faz com que seja urgente a necessidade de uma ação conjunta. A oferta de cuidados pós-aborto em situações de ilegalidade da prática – o chamado “compromissos do aborto provocado” instaurado na CIPD de 1994 – já se provou impossível como alternativa à descriminalização do aborto e a oferecê-lo de forma segura. Nós acreditamos que é passada a hora de substituir o Parágrafo 8.25 (CIPD Programa de Ação).
Nós demandamos que vocês, como agências e líderes cujos trabalhos tocam a saúde e os direitos de mulheres e meninas de tantas formas, enviem uma mensagem vigorosa à comunidade internacional e a todos os governos ao publicar cartas de apoio ao Dia Internacional do Aborto Seguro neste ano – e também demandamos que vocês considerem conjuntamente a instauração deste dia como uma data oficial da ONU.
Com os melhores cumprimentos
Marge Berer
Presidente da Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro