Frente ao contexto mais recente de ataques consecutivos aos direitos sexuais e reprodutivos e ao conceito de gênero nos níveis nacional e internacional, a celebração do Dia Internacional de Luta Pela Descriminalização do Aborto se torna um evento em que devemos fazer as nossas vozes ouvidas e demandar urgência das autoridades internacionais para que mais retrocessos sejam impedidos.
Assim, convidamos para que assinem esta carta aberta redigida pela Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro e que a Campanha vai endereçar a autoridades internacionais por ocasião da realização da 25ª Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), em novembro de 2019, Nairobi (Quênia). Não à toa, foi em resposta à 1ª CIPD, em 1994, no Cairo (Egito), que as forças antigênero começaram a se movimentar contra uma agenda sobre saúde e direitos reprodutivos e equidade de gênero.
Assine a carta até sexta-feira, 27 de setembro
https://forms.gle/XuxFpH45mpGXZU8x8
Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro
Carta aberta aos Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres, diretores de agências da ONU e líderes nacionais
Dia Internacional do Aborto Seguro, 28 de Setembro de 2019
“Aborto é uma questão de saúde – #MyAbortionMyHealth”
Estimados Secretário-Geral Guterres, líderes nacionais e internacionais,
Escrevemos esta carta a vocês na qualidade de líderes das Nações Unidas e de suas agências e, através de nossos membros, nos dirigimos também aos líderes nacionais no intuito de convidá-los a apoiar o Dia Internacional de Luta pelo Aborto Seguro, o 28 de Setembro, publicando uma declaração pública. Também pedimos que as Nações Unidas incluam esta data em seu calendário oficial.
O Dia Internacional de Luta pelo Aborto Seguro teve origem em 1990, na América Latina, com a criação de um fórum feminista permanente de debate sobre o aborto. Desta iniciativa nasceu o Dia pela Despenalização do Aborto na América Latina e Caribe que, três anos mais tarde, ganhou uma coordenação regional e o nome de Campanha do 28 de Setembro. Em 2011, a data ganhou proporções globais e, em 2012, eventos e atividades foram realizados em mais de cinquenta países. Em poucos anos, o 28 de Setembro foi celebrado ao redor de sessenta e cinco países de todos os continentes. Hoje, um número cada vez maior de líderes nacionais e órgãos de direitos humanos reconhecem esta data e se pronunciam em defesa de seus objetivos. A cada ano jornalistas prestam mais atenção e dão mais espaço a este dia, atraindo figuras nacionais de proeminência para o debate público.
Ademais da organização em torno do 28 de Setembro, o movimento pelo direito ao aborto seguro se articula de forma ampla. A Dia Internacional de Luta pelo Aborto Seguro hoje se converteu numa campanha que agrega mais de mil e quatrocentos membros ao redor de cento e vinte e seis países, além de nossas colegas em várias organizações internacionais, regionais e locais. A Campanha se tornou um movimento cujo objetivo de longo prazo é o acesso universal ao aborto seguro, compreendido como uma questão de saúde pública, direitos humanos e justiça reprodutiva. Acreditamos que a maternidade deve sempre ser voluntária e nunca compulsória. Esta é uma questão que deve ser analisada, acima de tudo, como uma pauta da equidade de gênero e da autonomia das pessoas que engravidam sobre seus próprios corpos e suas próprias vidas.
“Aborto é uma questão de saúde” é o lema do Dia Internacional de Luta pelo Aborto Seguro em 2019. Esta escolha é especialmente relevante se considerarmos que as maiores conferências internacionais destes últimos dois anos tiveram como tema central a saúde e os cuidados, desde a Conferência Global sobre Cuidados Primários de Saúde em outubro de 2018, passando pelas conferências sobre Cobertura Universal de Saúde e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2019, e até a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD+25), que será realizada em novembro de 2019. Talvez o lema mais importante de todas essas conferências seja “Não deixando ninguém para trás”. Pedimos que, em suas declarações, reconheçam que este lema também se aplica ao “aborto é uma questão de saúde”.
Na última década, um número crescente de organismos de direitos humanos da ONU – incluindo a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; o Comitê contra a Tortura; o Comitê sobre os Direitos da Criança; o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Comitê sobre Direitos Civis e Políticos; o Alto Comissariado de Direitos Humanos; todos recomendaram que o aborto seja descriminalizado e promovido de forma segura.
Por sua vez, o Grupo de Trabalho da ONU sobre discriminação contra mulheres na lei e na prática (atual Grupo de Trabalho sobre discriminação contra mulheres e meninas) e o Relator Especial sobre os Direitos das Mulheres da Comissão Africana pelos Direitos Humanos e das Pessoas têm emitido anualmente, desde 2016, declarações públicas na ocasião do 28 de Setembro. Pedimos que se unam a eles e emitam suas próprias declarações neste ano de 2019.
Em 2018, o Comitê da ONU de Direitos Humanos publicou o Comentário Geral N. 36 sobre o direito à vida, Artigo 6, da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos (CCPR/C/GC/36). Neste, o parágrafo 8 sobre o direito à vida em relação ao aborto, estabelece que:
Mesmo que os Estados possam adotar medidas para regular a interrupção voluntária da gravidez, tais medidas não podem resultar na violação do direito à vida da mulher ou menina grávida, ou dos direitos delas estabelecidos nesta Convenção. Assim, restrições à possibilidade de mulheres e meninas buscarem o aborto não podem, inter alia, ameaçar suas vidas, sujeitá-las a dor ou sofrimento físico e mental, que violam o Artigo 7; não podem discriminá-las ou interferir arbitrariamente na sua privacidade. Os Estados devem prover o acesso seguro, legal e efetivo ao aborto quando a vida ou a saúde da mulher ou menina grávida correr risco e quando levar uma gravidez a termo causaria dor ou sofrimento à mulher ou menina grávida, mais notavelmente quando a gravidez é resultado de estupro, incesto ou quando a gravidez não é viável. Além disso, os Estados não devem regular a gravidez ou o aborto em todos os outros casos de maneira que contrarie seu dever de garantir que mulheres e meninas não recorram a abortos inseguros e, assim, os Estados devem revisar suas leis em conformidade com essas definições. Por exemplo, os Estados não devem tomar medidas que criminalizem a gravidez de mulheres não casadas ou que apliquem sanções criminais contra mulheres e meninas que abortam ou mesmo contra agentes de saúde que as assistem no processo, levando em consideração que tais medidas compelem mulheres e meninas a recorrer ao aborto inseguro.
Recomendamos que vocês se pronunciem e assegurem que essas medidas sejam implementadas por todos os Estados. Por outro lado, urgimos que também se unam publicamente em repúdio ao chamado do presidente dos EUA convidando todos os governos a condenarem menções a saúde e direitos sexuais e reprodutivos, ao aborto seguro e à educação sexual integral nas conferências da ONU.
Ao redor do mundo, uma a cada quatro gravidezes termina num aborto induzido. O aborto é uma das práticas mais seguras em alguns países. Mesmo assim, internacionalmente metade de todos os abortos induzidos continuam sendo inseguros, acarretando em complicações, sofrimento e mortes que são quase absolutamente evitáveis. Este cenário faz com que seja urgente a necessidade de uma ação conjunta. Somente garantir a atenção pós-aborto em situações de ilegalidade da prática, compromisso instaurado na CIPD de 1994 (parágrafo 8.25 do Programa de Ação da CIPD), já se provou completamente falho como alternativa à descriminalização do aborto e a oferecê-lo de forma segura a fim de reduzir a “séria questão de saúde pública referente a abortos inseguros”. Em vez disso, os recursos que poderiam ser direcionados à oferta de práticas seguras para proteger a saúde das mulheres estão sendo utilizados para tratar as complicações de abortos inseguros que atingem 6,9 milhões de mulheres e meninas a cada ano.
Acreditamos que já é mais do que tempo de substituir esta linguagem. Recomendamos que, durante a CIPD+25, o Parágrafo 8.25 seja substituído pelo compromisso com o acesso universal ao aborto seguro, não deixando ninguém para trás.
Finalmente, demandamos que vocês, como agências e líderes cujos trabalhos dizem respeito à saúde e aos direitos de mulheres e meninas sob tantos aspectos, enviem um apelo urgente à comunidade internacional e a todos os governos, através de declarações públicas de apoio ao Dia Internacional de Luta pelo Aborto Seguro – e também façam deste dia uma data oficial da ONU.
Pedimos que nos enviem por favor as suas declarações para que possamos compartilhá-las: info@safeabortionwomensright.org