Por Fabio Zanini, Folha de São Paulo
Em novembro de 2017, a passagem por SP da filósofa e escritora americana Judith Butler, um dos principais nomes da atualidade na área de estudo de gênero, foi tumultuada.
Com cartazes pedindo “Menos Butler, Mais Família” e “Xô, Judith”, manifestantes se postaram em frente ao local onde a professora da Universidade de Berkeley participava de um debate e queimaram um boneco dela vestida de bruxa. Também foram protestar contra a acadêmica no aeroporto de Congonhas.
As manifestações, em parte, foram estimuladas por uma petição online que teve 300 mil assinaturas pedindo o cancelamento do evento. Quem organizou foi a CitizenGo, entidade pouco conhecida do grande público, mas bastante influente em círculos conservadores.
Surgida na Espanha em 2013 e com atuação em 50 países, a CitizenGo é uma entidade independente, mas próxima de movimentos de direita e da Igreja Católica.
No Brasil, é comandada pelo professor de História mineiro Guilherme Ferreira de Araújo, que tem relações com o Centro Dom Bosco, entidade de fiéis católicos.
Ele diz que, no episódio com Butler, não tem como se responsabilizar pelo tom agressivo dos manifestantes. “Os protestos não foram planejados nem coordenados pela CitizenGo. Ao que tudo indica, foi uma reação espontânea de grande parcela de um público que não aceita as ideias que ela promove”, afirma.
A CitizenGo é uma organização especializada em fazer pressão on-line em defesa de uma agenda conservadora, estratégia que sempre foi mais utilizada pela esquerda.
Promove petições em defesa da família e contra a chamada “agenda LGBT”, além de fazer oposição ferrenha a temas progressistas como teoria de gênero e ampliação do direito ao aborto. Também atua na defesa de cristãos que vivem sob ameaça em países em que essa fé é minoritária.
Sua carta de princípios tem 11 mandamentos. Entre eles, estão “direito à vida desde o momento da concepção”, “direito ao casamento, compreendido como a união entre um homem e uma mulher” e “direito a honrar Deus em público e em privado”.
O modus operandi da organização é bastante controverso, como mostra o episódio com Butler. Não foi o único caso polêmico recente.
Em abril deste ano, durante reunião da Comissão da ONU para Mulheres, em Nova York, a diplomata queniana Koki Grignon, uma das coordenadoras das discussões, reclamou de sofrer bullying virtual, ao receber milhares de mensagens de texto em seu celular. Era uma ação com a participação da CitizenGo, para que a comissão não tomasse decisões contrárias a “valores da família”.
Os temas das campanhas globais são variados (dentro, obviamente, do universo conservador). Vão desde uma petição para que o governo britânico proteja pregadores de rua cristãos até o apoio ao ensino domiciliar na Islândia. Uma das mais chamativas no momento pede o fim da “doutrinação LGBT na Disneylândia”, que já passa de 393 mil assinaturas.
A principal estrutura da CitizenGo fica na Espanha, onde tem cerca de 40 pessoas. Segundo balanço financeiro da entidade, sua receita global em 2017, último ano disponível, foi de R$ 9,1 milhões, toda reunida a partir de doações. A entidade diz ter 10,6 milhões de associados globalmente.
No mundo, sua principal liderança é o advogado espanhol Ignacio Arsuaga, que tem laços com a ultradireita em seu país.
No Brasil, o grupo tem como principal interlocutor na Câmara a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ), advogada católica em primeiro mandato que em 2017 participou de uma ação contra o site humorístico Porta dos Fundos por um esquete em que satirizava a religião.
Apesar disso, diz Araújo, o CitizenGo “não tem políticos de estimação” e é uma entidade independente, seja de governos, empresários ou Igreja Católica.
“Entre os milhares de pessoas que apoiam as nossas campanhas, há quem professe outras crenças e até não crentes que defendem a vida, a família e as liberdades fundamentais”, declara.
No Brasil, já houve cerca de 120 campanhas online. Atualmente, são três as principais. Uma apoia o projeto de lei 4754/16, que visa coibir o ativismo judicial (visto como um indutor de ideias progressistas). Tem 23 mil assinaturas online.
Outra pede que o jesuíta José de Anchieta seja o patrono da educação brasileira, no lugar de Paulo Freire. Nesta, a meta é conseguir 20 mil assinaturas, e a CitizenGo já reuniu mais de 14 mil.
A mais popular é contra o projeto 672/19, que, segundo seus apoiadores, criminaliza a homofobia –mas que, na visão da entidade, promove uma “ditadura de gênero”. Mais de 34 mil pessoas já assinaram.
Segundo Araújo, a CitizenGo defende valores que têm ampla representatividade na sociedade. “Pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros é a favor da vida, da família e das liberdades fundamentais”, afirma.
Mas, prossegue ele, mesmo que não houvesse tanto apoio, a entidade seguiria fazendo campanha por valores conservadores. “Eles correspondem à própria dignidade da natureza humana”, diz.
Fonte: Folha de São Paulo