Émerson Santos, coordenador da Articulação Brasileira de Jovens LGBT, responde à medida proposta pelo vereador Fernando Holiday (MBL/SP) que obstrui o acesso ao aborto permitido por lei.
Foi com grande indignação que todos os defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil receberam a notícia da apresentação do esdrúxulo projeto de lei 0352/2019, de autoria do vereador Fernando Holiday, protocolado no último dia 28 de maio na Câmara de Vereadores da cidade de São Paulo. O referido projeto cria uma série de barreiras ao acesso das mulheres ao direito de realização do aborto nos três casos autorizados pela legislação brasileira:
- em caso de risco de vida para a mulher causado pela gravidez;
- quando a gestação é resultante de um estupro ou;
- se o feto for anencefálico — conforme decisão do Supremo Tribunal Federal em 2012.
O projeto é inconstitucional, pois viola as regras de competência entre a União, estados e municípios. Sobretudo, constitui um grave retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos, reforçando a criminalização e culpabilização das mulheres vítimas de estupro, daquelas cuja gravidez ameaçam as suas vidas ou que estão grávidas de bebês que não vão sobreviver. Em última instância, o PL 0352/2019 é um ataque direto ao direito à vida das mulheres.
Para mim, um jovem negro e gay, ativista LGBT, ocupando um espaço de protagonismo na luta pelo respeito aos direitos humanos no Brasil, é duro e vergonhoso saber que um outro jovem negro e gay, que também exerce protagonismo na arena política, defenda essas posições.
A proposta de Holiday é machista porque reduz as mulheres a incubadoras, desconsiderando inclusive o direito delas à vida e obrigando-as a continuar gestações decorrentes de violência sexual e/ou que tenham sérias implicações para sua saúde. Dados do Atlas da Violência de 2018 — produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) — revelam que 50,9% dos casos de estupro registrados em 2016 foram cometidos contra menores de 13 anos de idade. Obrigar essas jovens a levar a termo essas gestações, tal como propõe o vereador, é uma medida desumana e cruel.
O PL 0352/2019 também é fortemente marcado pelo racismo estrutural presente na nossa sociedade, tendo em vista que a maioria dos casos de estupro registrados no nosso país é contra mulheres negras e com menor poder econômico.
Finalmente, é uma proposição homofóbica/lesbofóbica. Isso por que, lamentavelmente, ainda assistimos no Brasil a um número recorrente de casos de estupros “corretivos” — violências sexuais praticadas contra mulheres lésbicas e homens trans em que o estuprador busca corrigir o que eles acreditam ser um “desvio” e restabelecer a identidade heterossexual e cisgênero da pessoa violentada. Caso engravidem, essas pessoas serão também sujeitas às restrições e medidas estigmatizantes propostas pelo projeto de lei, que inclui o internamento compulsório.
O projeto do vereador Holiday é mais um capítulo na guerra permanente contra os direitos sexuais e reprodutivos — hoje em curso em muitos países do mundo, especialmente latino-americanos — protagonizada pelo conservadorismo religioso e atores seculares, como é o caso do vereador. É assim urgente que as forças que lutam pelos direitos humanos no Brasil e, mais especialmente, o movimento LGBTI conteste com veemência essa proposta, denunciando as violações que ela implica para mulheres e meninas, sobretudo as negras, lésbicas, pobres e moradoras das periferias do Brasil.
Émerson Santos é coordenador nacional da Articulação Brasileira de Jovens LGBT
Fonte: O Globo