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Tecidos fetais e aborto: Esclarecendo o caso

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O uso de imagens perturbadoras e notícia falsas ou “requentadas” é uma tática frequentemente utilizada por setores ultraconservadores para atacar o direito ao aborto e restringir direitos sexuais e reprodutivos. Às vésperas das audiências públicas convocadas pelo STF para discutir a ADPF 442/2017, provisão que argumenta pela inconstitucionalidade da criminalização do aborto, uma reportagem de 2015 publicada no O Globo sobre vídeos que acusavam a Planned Parenthood (IPPF) de venda de tecidos fetais está circulando no Twitter (no Brasil) como se fosse uma notícia atual. É crucial esclarecer o caso.

Em julho de 2015, um vídeo divulgado nas redes sociais com imagens que gravaram conversas internas de funcionários denunciava a sede de Houston da organização pública Planned Parenthood (IPPF em inglês) no Texas por venda de tecido fetal. O vídeo foi realizado mediante uma ação em que ativistas contra o aborto (do Center for Medical Progress)  se passaram por funcionários de uma empresa de pesquisa biotecnológica por três anos para se aproximar da IPPF. Eric Ferrero, vice-presidente de comunicações da Planned Parenthood, declarou:

Esses extremistas anti-aborto passaram três anos criando uma empresa falsa, criando identidades falsas, mentindo e infringindo a lei. Quando eles não conseguiram encontrar nenhuma atividade imprópria ou ilegal, eles a inventaram. (Fonte: Washington Post)

O Grande Júri de Houston que investigava o caso constatou em janeiro de 2016 que a organização Planned Parenthood estaria isenta de qualquer improbidade, como a venda de tecido fetal condenada por lei. No entanto, o Procurador Devon Anderson do Condado de Harris indiciou David Daleiden, diretor do Center for Medical Progress, e Sandra Merritt, sua funcionária, acusados de contravenção por adulterar registros governamentais e de delito por comprar tecidos fetais. Os vídeos uniam a filmagem no local com imagens encontradas da internet de um bebê prematuro, para convencer sobre a venda de partes de fetos. [1]

As acusações foram descartadas em julho de 2016 por um juiz no Distrito do Texas tendo como base argumentos técnicos e porque os advogados de defesa argumentaram que o júri não tinha autoridade para tornar a ação em algo tão contrário a sua intenção original. [2] No mesmo mês da decisão, a Planned Parenthood entrou com uma ação federal contra a organização autora dos vídeos, afirmando que o grupo violou várias leis federais em sua campanha para difamar os centros de saúde com fraudes por correspondência, invasão de privacidade, gravação secreta ilegal e invasão de propriedade. A Promotoria da Califórnia acolheu o caso que apresentava quinze acusações contra Delaiden e Merritt e emitiu um mandado de prisão em março de 2017. [3]

No entanto, as ações não se limitam a esse caso, mas fazem parte de uma estratégia mais ampla de setores de extrema-direita. Como nos esclareceu Gillian Kane, do Ipas, a organização Center for Medical Progress tem por único objetivo descreditar organizações progressistas para que sejam fechadas. As táticas de Daleiden já faziam parte do repertório de James O’Keefe (amigos e aliados nessas ações)[4], que lançou uma ofensiva malsucedida contra a Planned Parenthood em 2008 [5] e, em 2009, logrou a suspensão das atividades da Associação de Organizações Comunitárias pela Reforma Agora (Acorn em inglês), uma organização que desde 1970 serviu a milhões de americanos em extrema necessidade de moradia, justiça social e comunitária. O’Keefe foi julgado culpado de invasão de privacidade, baseado no Código Penal da Califórnia e teve que assinar um acordo pagando uma compensação por difamação contra um funcionário da Acorn. [6]

Essa é só uma da numerosa lista de práticas antiéticas, criminosas e ilegais desenvolvidas por esse grupo e outros similares, como aconteceu contra o jornal Washington Post, o Sindicato de Professores de Michigan etc, pelas quais O’Keefe também foi condenado.

Durante o processo de reforma do Código Penal boliviano em 2017 – que despenalizou o aborto, mas manteve a prática como delito – fake news sobre a Planned Parenthood também emergiram para subsidiar os argumentos contrários à aprovação das leis progressistas, especialmente contrários aos direitos sexuais e reprodutivos, principalmente o aborto.

 

[1] Anti-abortion activists charged in filming of secret Planned Parenthood videos – CNN

[2] Judge Drops Charges Against Anti-Abortion Activists Behind Covert Recordings – NPR

[3] Attorney General Xavier Becerra Announces Charges Filed Against David Robert Daleiden for Criminal Invasion of Privacy – Office of the Attorney General

[4] With Planned Parenthood videos, activist ignites abortion issue – The New York Times

[5]  O’Keefe Can’t Get No Respect – Politico

[6] James O’Keefe pays out victim of Acorn video fraud – The Guardian

Leia mais sobre o caso envolvendo a Acorn e o documentário lançado que tenta esclarecer os fatos.



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