A Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba de anunciar a conclusão da CID -11 e lança a sua versão online oficial. O anúncio não significa o fim do processo da CID -11, mas o início de uma nova fase, focada na implementação, seguida da avaliação a nível nacional. A nova versão da CID -11 será apresentada para aprovação na Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2019.
Como antecipado, todas as categorias relacionadas às pessoas trans foram retiradas do Capítulo de Transtornos Mentais e Comportamentais e novas categorias relacionadas às pessoas trans foram introduzidas: Incongruência de Gênero na Adolescência e Vida Adulta e Incongruência de Gênero na Infância. Essas categorias foram incluídas numa nova seção da CID, o capítulo 17 sobre Condições Relacionadas à Saúde Sexual. Desta forma, a OMS definiu que ser trans ou pessoa de gêneros diversos (gender diverse) não significa um transtorno mental. Ou seja, uma história vergonhosa de patologização, institucionalização, “conversão” e esterilização das pessoas trans começa a chegar ao fim.
No entanto, os esforços para despatologizar as vidas das pessoas trans e outras identidades diversas de gênero não devem ser interrompidos:
Esforços de Incidência organizada e comprometida serão ainda mais necessários para assegurar a implementação efetiva da CID nos níveis nacionais de modo a remover regulações patologizantes, ao mesmo tempo é preciso assegurar o acesso irrestrito ao reconhecimento legal de gênero e a serviços de saúde receptivos à diversidade da identidade de gênero.
A categoria incongruência de gênero deve ser revista e substituída, assim que possível, por uma categoria que seja capaz tanto de reter a utilidade dessa definição ao mesmo eliminado seus conteúdos normativos.
Incongruência de gênero na infância deve ser removida da CID -11 por meio de ampla mobilização nacional, regional e internacional a favor da despatologização da diversidade de gênero na infância, como um todo e de maneira definitiva.
A despatologização das pessoas trans e de pessoas com gêneros diversos deve ser acompanhada pela afirmação firme de nosso objetivo principal: a despatologização plena baseada nos direitos humanos e, especialmente, assegure acesso universal à saúde.
Muitas pessoas ao redor do mundo sofreram severamente o impacto da patologização. Como qualquer outra vítima de violações contra os direitos humanos, elas têm o direito à verdade, à reabilitação e à reparação.
GATE, AKAHATA, TGEU, APTN, ILGA, Coalizão Trans Pós-Soviética, Iranti.org, STP Campanha Internacional Parem a Patologização Trans.
Nota adicional da GATE sobre despatologização trans, saúde mental e estigma
A notícia de que Organização Mundial da Saúde removeu as categorias relacionadas às pessoas trans do capítulo de transtornos mentais da Classificação Internacional de Doenças, é um passo bem-vindo em direção à despatologização das identidades trans, mas também nos compele a expressar o nosso desacordo e desconforto com a lógica explicitada pela OMS.
De acordo com o vídeo que explica a introdução da categoria “incongruência de gênero” no capítulo 17 (sobre Condições relativas à Saúde Sexual da CDI-11), e também no pôster compartilhado pela OMS no seu site, essa iniciativa vai contribuir para a “redução do estigma” em relação a transtornos mentais.
Essa afirmação é extremamente problemática por três razões principais:
- Contribui para naturalizar o estigma associado a questões de saúde mental;
- Ignora a realidade das pessoas trans ou com outras identidades de gênero diversas que têm transtornos mentais;
- Elimina o uso histórico de diagnósticos para diferenciar entre identidades e expressões “normais” (ou seja “não patologizadas”) e identidades “patologizadas”.
Identificar-se com uma identidade de gênero que difere do sexo designado no nascimento, ou expressar seu gênero de uma forma que contradiz expectativas e normas sociais não é um transtorno mental; no entanto, muitas pessoas trans e de outras identidades de gênero diversas sofrem de transtornos mentais, inclusive aquelas causadas por violências transfóbicas de sociedades estruturalmente cis-sexistas. Ademais, às pessoas trans é rotineiramente negado o reconhecimento da sua identidade legal de gênero e formas de acesso a saúde que sejam receptivas à diversidade de gênero, com base nas suas faculdades mentais. Desta forma, questões de saúde mental também são questões nossas, e remover o estigma associado a todas as formas de doença mental é de máxima prioridade para o nosso movimento.
Nós lamentamos que a OMS tenha se utilizado de uma linguagem prejudicial, que contribui para a estigmatização de questões de saúde mental, em vez de optar por liderar esforços para desmonte deste estigma. Despatologizar questões trans e de diversidade de gênero é uma questão de direitos humanos, de justiça e de subversão das hierarquias de gênero codificadas em sistemas de classificação. Nós encorajamos a aliados e jornalistas que estão cobrindo esse momento histórico o façam sem tornar as nossas comunidades cúmplices involuntárias de mais estigmatização e discriminação em relação a pessoas com problemas de saúde mental.
Solidariamente,
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No intuito de revisar o processo de publicação da CID – 11 e analisar os seus resultados, assim como planejar próximos passos e articular estratégias globais, organizações parceiras da iniciativa internacional da CID-11 vão promover uma série de webinários.
Fique atentx!