Hoje, dia 5 de fevereiro de 2018, o Senador Magno Malta (PR-ES) propôs o arquivamento da Sugestão Legislativa (SUG) 15/2014 na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Nós, do Observatório de Sexualidade e Política, pensamos que para compreender plenamente o significado desse fato, é preciso recuperar a trajetória dessa proposta legislativa de 2014. Entre outras razões, porque essa memória parece ter se perdido na turbulência política dos últimos três anos, mesmo quando nesse curso o direito ao aborto tenha sido, várias vezes, um tema relevante.
A SUG 15/2014 foi encaminhada ao Senado após a comoção e indignação provocadas pela trágicas mortes de Jandira Magdalena dos Santos Cruz no dia 26 de agosto de 2014, e de Elizângela Barbosa no dia 21 de setembro de 2014, depois de recorrerem a abortos clandestinos e inseguros no Rio de Janeiro e Nitéroi, respectivamente. Como bem analisa Francho Barón no El País, em plena eleição presidencial, nenhuma autoridade pública se manifestou sobre essas mortes trágicas, e o direito ao aborto continuou sendo pauta dos partidos minoritários de esquerda. Mas a sociedade se manifestou em dezenas de artigos de opinião, numa petição pública, em manifestações organizados por feministas e através de uma iniciativa de sugestão legislativa de legalização do aborto no SUS (via e-legislativo do Senado Federal). A iniciativa foi lançada por André Kipper, ativista digital envolvido com a campanha pela descriminalização do uso da maconha. Por efeito da indignação do momento, a sugestão alcançou rapidamente mais de vinte mil assinaturas favoráveis, o que obrigou o Senado a abrir um debate sobre a proposição.
A proposição foi enviada a Marta Suplicy, que acabava de voltar ao Senado (depois de deixar o Ministério da Cultura), em razão de sua longa trajetória de defesa pelo direito ao aborto. Contudo, em março de 2015, quando já negociava sua filiação ao PMDB, a senadora devolveu a proposição à mesa da casa e seu gabinete informou a feministas preocupadas com o tema que ela estava mudando seu perfil e já não iria trabalhar sobre temas de gênero. A proposição seria então assumida pelo Senador Magno Malta, conhecido por suas posições sobre o aborto, a homosexualidade e pedofilia e pelo uso constante desses temas para incitar suas bases eleitorais, como bem analisou Eliane Brum num excelente artigo, também publicado no El País.
A incidência feminista nessas audiências foi crucial para levar ao Senado vozes favoráveis à legalização do aborto, que abordaram o assunto a partir de diferentes pontos de vista, da Medicina, da Bioética, da Filosofia, do Direito, das Ciências Sociais, construindo assim um argumento sólido e diverso em favor desse direito. Participaram desse ciclo de debates duas especialistas internacionais com larga experiência de defesa do direito ao aborto em seus países. Teresa Blandón, feminista nicaraguense, compartilhou a experiência de seu país onde em 2007 o aborto foi completamente criminalizado e acarretou consequências nefastas sobre a saúde e a vida das mulheres da Nicarágua. E, a terceira audiência e a última audência de abril de 2016 contaram com a presença da advogada mexicana Letícia Bonifaz, que atuou junto à Suprema Corte mexicana nos bem sucedidos debates sobre a constitucionalidade da legalização do aborto no Distrito Federal de seu país em 2007.
Recuperamos os registros desse rico processo de debate em materiais produzidos pelo Observatório de Sexualidade e Política, mas também artigos e textos publicados em outros veículos. Esses conteúdos oferecem sólidos argumentos para questionar a proposta de arquivamento que está agora em debate.
Falas transcritas das convidadas pela descriminalização do aborto (Audiências 3, 4 e 5)
Mulher aborteira – Débora Diniz
O Círculo Cínico e as Falácias sobre a Legalização do Aborto – Márcia Tiburi – Revista Cult
Aborto legal e seguro como tema da democracia – Sonia Corrêa – SPW
A inconstitucionalidade da criminalização do aborto – Eloisa Machado – SPW
As consequências perversas da proibição total do aborto na Nicarágua – Teresa Blandón – O Globo
Relatos e análises sobre as audiências
Relato da 2 ª Audiência Pública no Senado para instruir a SUG 15/2014 – Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela legalização do aborto
3 ª Audiência Pública pela regulamentação da interrupção voluntária da gravidez pelo SUS – Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela legalização do aborto
Especialistas e religiosos discutem a legalização do aborto no Senado Federal – Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela legalização do aborto
Compilação sobre audiência de agosto de 2015 – SPW
Compilação sobre audiência de setembro de 2015 – SPW
Compilação sobre audiência em abril de 2016 – SPW
Senado discute ampliação do direito ao aborto pelo SUS – Agência Patrícia Galvão
A ignorância dos homens ao tutelar o corpo das mulheres – Escreva, Lola, escreva
Percepções minhas sobre audiência no Senado sobre aborto – Escreva, Lola, escreva
Sugestão Legislativa retoma a pauta sobre aborto no Senado – Jornal GGN
A discussão sobre a legalização do aborto no Brasil – Revista Fórum
Um duelo sobre aborto no Senado – Maíra Kubik Mano – Carta Capital
Ao Vivo, audiência pública no Senado discute legalização de aborto no SUS – Jornal GGN
Recomendamos
Entenda porque o aborto não deve ser crime e qual a importância da SUG 15/2014 – Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela legalização do aborto
Dossiê 2007-2014: Criminalização das Mulheres pela Prática do Aborto no Brasil – Frente Nacional contra a criminalização de mulheres e pela legalização do aborto
Aborto na agenda médica e da pesquisa em saúde pública – Angela de Freitas – SPW
Aborto não é questão de opinião – Clara Averbuck – Carta Capital
“Partidos não reconhecem impacto da penalização do aborto na vida das mulheres” diz ativista – Entrevista de Teresa Blandón para O Globo
Intervenções feitas nas Audiencias Públicas
Co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política e Pesquisadora Associada da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA).
Filósofa e professora da Unirio .
Professora da Faculdade de Direito da UNB e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS/UNB.
Conselheira do CRP/DF e integrante do Movimento Estratégico pelo Estado Laico (MEEL).
Heloisa Machado, Letícia Bonifaz e Leila Linhares
Advogada, Professora da FGV e ativista pelo direito ao aborto, Professora e ativista feminista mexicana & Advogada e Diretora da ONG CEPIA.
Socióloga e feminista nicaraguense, fundadora do Programa Feminista Centroamericano La Corriente e do Movimiento Feminista de Nicaragua.
Professor da ENCE/IBGE.
Vice-Presidente da Comissão de Abortamento, Parto e Puerpério da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO.
Coordenadora Geral do Católicas pelo Direito de Decidir.
Jolúzia Batista e Lia Zanotta Machado
Representante da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto & Professora de Antropologia na UnB.
Pesquisadora em Saúde Coletiva da UFPE.