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Múltiplas frentes de luta pelo direito ao aborto

À medida em que prosseguia no Brasil, a turbulência política geral e, em particular, na política sexual, os debates sobre direito ao aborto se intensificaram em novembro e dezembro de 2017. Em 24 de novembro,  a PEC 181/2015, cujo texto foi alterado para inserir no texto constitucional o direito à vida desde a concepção, foi praticamente aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados no dia 8 de novembro. No polêmico andamento de sua tramitação foram apresentadas novas emendas , cuja votação final estava agendada para hoje (13/12). A Deputada Erika Kokay, de quem foi o único voto contra a PEC 181 na votação do dia 8, apresentou uma dessas emendas. Sua proposta é de retirar do texto a malfadada alteração feita pelo Relator, que desvirtuou a proposta original que era de beneficiar as trabalhadoras com  ampliação da licença-maternidade nos casos de bebês prematuros.Uma intensa  articulação feminista influenciou o andamento deste processo e logrou adiar a conclusão deste processo na Comissão Especial. Uma conclusão que, dada a composição viciadamente conservadora desta comissão, seria no sentido da aprovação do texto do relator, resultando potencialmente na criminalização do aborto em qualquer caso. 

Protestos ocorreram em várias cidades do país no dia 13 de novembro, e no dia 25 de novembro, Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, somente em São Paulo foram mais de 10 mil manifestantes. Em 4 de dezembro, véspera do dia em que o texto deveria ser definitivamente aprovado pela Comissão Especial, houve vigílias feministas em várias cidades. Outros esforços convergiram, como a primeira petição da Avaaz relacionada ao aborto, que chegou à marca de 173.000 assinaturas, além de campanha de envio maciço de cartas a parlamentares condenando a PEC 181/2015, por iniciativa da Anistia Internacional e da robô Beta. Cartas também foram endereçadas ao poder público brasileiro (parlamentares), a primeira assinada durante a Reunião Extraordinária da Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe e assinada por 390 organizações e seus representantes, a segunda assinada por agências da ONU (UNFPA, ONU Mulheres, OPAS/OMS e ACNUDH), e a terceira pelo Fórum Parlamentar Europeu. Uma manifestação oficial favorável às mulheres veio do conservador estado do Mato Grosso do Sul, através de uma carta encaminhada aos deputados federais pela Câmara de Vereadores do município de Tangará da Serra, na qual os vereadores pedem aos deputados federais que retirem a linguagem sobre o direito à vida desde a concepção da PEC 181. A carta foi apoiada Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul e o Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres lançaram um manifesto.

mulheres-entregando-carta-para-rodrigo-maiaUm  momento chave da pressão sobre legisladores foi a entrega da Carta aos Parlamentares, contendo 400 assinaturas de mulheres com visibilidade pública (artistas, acadêmicas etc) e 142 assinaturas de organizações, pedindo o bloqueio da PEC 181, entregue ao Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, em  dia 5 de dezembro, por representantes da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres pela Legalização do Aborto. Maia se comprometeu a não permitir que o texto da PEC 181, tal como aprivado, seja submetido ao plenário da Câmara Federal. Segundo o deputado o  direito à vida desde a concepção havia sido incluído no texto ” apenas como  um recado para o  Supremo Tribunal Federal” pois  bloco de representantes conservadores da Câmara entende que a Corte não pode legislar sobre esses assuntos. Como se sabe, foi a  a opinião emitida pelo STF em novembro de 2016 que  inspirou o PSOL  e ANIS – Instituto Feminista de Bioética a apresentarem ao STF a  ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que reclama a descriminalização do aborto até a 12 semana de gestação.

Enquanto esse dinâmica política seguia seu curso, Rebeca Mendes, uma jovem mulher negra de São Paulo – que tem 30 anos e  mãe solteira de dois filhos e estudante de Direito (graças a uma bolsa pública do PROUNI) – buscou contato com a ANIS, para solucionar uma gravidez não planejada, fruto de uma relação eventual com seu ex-parceiro. Rebeca informou à equipe da ANIS que queria interromper a gravidez por razões econômicas e para completar sua carreira acadêmica, mas não queria nem agir na ilegalidade nem correr o risco de procedimento inseguro. Em resposta, a ANIS lançando mão dos mesmos argumentos desenvolvidos na ADPF 442 e solicitou ao Supremo autorização para que Rebeca tivesse acesso a um aborto medicamentoso. Quanto essa demanda foi tornada pública lançou-se  campanha #PelaVidaDeRebeca que rapidamente angariou apoio.

PelavidadeRebeca_1-1024x749No dia 28 de novembro, contudo,  a juíza Rosa Weber, relatora da ADPF 442, negou a solicitação  de Rebeca alegando aspectos técnicos. Diante da negativa, um Habeas Corpus foi apresentado a um tribunal inferior em São Paulo, mas a resposta não foi imediata e isso implicou uma situação de grande stress emocional  para Rebecca. Em razão disso, Rebeca foi convidada pelo CLACAI (Consórcio Latino-Americano contra o Aborto Inseguro) a apresentar seu caso em uma reunião em Bogotá, Colômbia tendo ai a possibilidade de recorrer a uma  intervenção legal e segura para interromper sua gravidez. Na Colômbia, desde 2006, por efeito de uma decisão do Tribunal Constitucional, a preservação da saúde física e mental da mulher é um dos permissivos legais  para o aborto. Rebeca retornou ao Brasil em 9 de dezembro. A imprensa a entrevistou e o caso foi amplamente divulgado nos principais jornais e nas mídias sociais.

dfvqNo dia 11 de dezembro ela contou à ABC News em uma entrevista: “Eu não queria morrer. Eu estaria sofrendo meus piores medos: morrer em casa e não ser capaz de criar meus filhos ou ser presa e também não ser capaz de criar meus filhos. Não havia saída”. No domingo, 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, 172 mulheres – incluindo personalidades artísticas, acadêmicas e performáticas – falaram publicamente em apoio à Rebeca e declararam em carta terem realizado abortos. A iniciativa foi inspirada no “Manifeste des 343 sans salope”, escrito por Simone de Beauvoir e lançado na França em 5 de abril de 1971, como parte da campanha pela legalização do aborto no país. A carta atual brasileira resgata também os artigos de capa das revistas Isto é (1983) e Veja (1997) nas quais celebridades e personalidades também declararam ter realizado abortos ilegais.

No dia seguinte (12/12) um novo debate e votação da  PEC 181/ 2015 estava agendado na  Comissão Especial . Mas essa votação foi adiada para 13 de dezembro quando, em clima tenso, a foi suspensa até 14 de dezembro quando não ocorreu.  O tema volta contudo à pauta após o recesso parlamentar em fevereiro.

Novos retrocessos potenciais no horizonte

Enquanto acontecia a última reunião da Comissão Especial da PEC 181 (13/12), uma Audiência Pública foi convocada para a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara para discutir as  mortes por aborto inseguro no Brasil. Convocada pelo deputado conservador Diego Garcia (PHS/PR), que é relator do  Estatuto do Nascituro (ver informações aqui), seu objetivo era questionar os dados sobre mortalidade por aborto no país.  Na audiência, porém, tanto o Ministério da Saúde quanto médios parceiros da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres apresentaram informações consistentes sobre a mortalidade materna por aborto, frustrando assim as intenções dos setores conservadores. Em reação o deputado  Garcia anunciou sua intenção de coletar assinaturas para a abertura de uma CPI do Aborto.

Dois dias depois (15/12),  o Senador Magno Malta entregou finalmente à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado relatório de 206 páginas sobre a Sugestão Legislativa 15/2014 pedindo seu arquivamento o que já era esperado. Como relatado em informes anteriores,  a SUG 15/2014  foi objeto de sequência de  audiências públicas que foram palcos de intensos debates opondo as forças favoráveis contrárias ao aborto. A Comissão só votará relatório em 2018, quando ela terá uma nova composição.  O encerramento do debate sobre a SUG 15 /2014 abre espaço para que a  PEC 2972015  que propõe o direito à vida desde a concepção apresentada pelo próprio Malta  tenha sua tramitação acelerada.  Dito de outro modo a  dinâmica legislativa em torno ao tema tende a recrudescer no ano que se inicia e que também será um complicado ano eleitoral.

 



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