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Testemunhos sobre #eutambém

Por Peggy Antrobus

21 outubro de 2017

Hoje é o 43º aniversário do assassinato de minhas duas irmãs mais novas, Jenny e June. Eles foram assassinados pelo namorado de Jenny que, depois de anos de manipulá-la à submissão, não aceitava sua decisão de acabar com o relacionamento. Os amigos sabiam que ele era fisicamente abusivo, a família dela não, exceto a irmã mais nova a quem ela era mais próxima e quem foi morta ao mesmo tempo, tentando proteger a irmã. Seu ato foi a culminação de uma vontade de privamento de violência que saiu do controle, auxiliada por uma cultura de silêncio.

Outubro de 1974 foi também a véspera de assumir o posto de Conselheira de Assuntos da Mulher ao Governo da Jamaica. A minha qualificação para o trabalho foi a capacidade de transformar idéias em programas. Em retrospectiva, o que me transformou de administradora eficiente em apaixonada e comprometida defensora dos direitos das mulheres foi o que aconteceu com minhas irmãs e também algo que me aconteceu uma década antes delas nascerem.

Aos oito anos, eu fui estuprada por um jardineiro empregado por meus pais. Não contei a ninguém. A vergonha se transformou em baixa auto-estima que durou até a idade adulta, até o feminismo me dar teoria e política a fim de relacionar o que me aconteceu no contexto mais largo do patriarcado e da noção de direito masculino. Embora o meu trabalho inicial tenha se concentrado em questões de educação, saúde e trabalho, o feminismo me ajudou a reconhecer a interconexão entre estes e a cultura de violência contra as mulheres: tudo está relacionado e o sexismo está subjacente a tudo.

Embora eu já tenha falado publicamente sobre os assassinatos de minhas irmãs, nunca havia falado da minha própria experiência. Antes de hoje, nunca havia escrito nada pessoal no Facebook. A campanha #eutambém me ajudou a romper meu silêncio e reconhecer o vínculo entre os assassinatos de minhas irmãs e minha própria experiência de violência e direitos masculinos. Romper o silêncio é um passo necessário para acabar com a violência contra as mulheres.

22 outubro de 2017

Queridos amigos,

Passei o dia lendo suas respostas considerativas, maravilhosas, amorosas e de apoio à minha postagem, e recebendo emoticons – likes, corações and lágrimas. Algumas, como as respostas da minha neta, do meu filho e do meu genro me deixaram sem palavras. Eu queria poder responder a todos de forma individual, mas seria impossível neste momento. Sendo assim, eu só posso AGRADECER A TODOS e convidar aqueles que quiserem continuar a conversa a me enviarem um e-mail para peggyantrobus21@gmail.com

Foi um prazer especial ouvir de alguns de vocês com quem eu não tenho contato há tanto tempo – Alejandra, Alexandra, Alda, Angela, Cecilia, Radhika, Siphokazi, Susan, Vanita, Vivienne, Yvonne – e especialmente daqueles com quem perdi contato ao longo dos anos – Anita, Bisi, Beverly, Brigid, Drue, Frances, Inga, Isabel, Kavita, Moema, Pamela, Rachel, Zoni. Alguns de vocês aos quais eu nunca conheci – primos Ria e Lisa-Amor. Fiquei espantada com as respostas. Alguns de vocês escreveram palavras que eu notei: “… meu amigo falecido e co-autor disse em seu trabalho de aconselhamento ter descoberto que, em qualquer sala de mulheres, metade delas provavelmente teria sido abusada” (Pamela). Agora penso que é mais do que isso.

Sim, foi preciso coragem, mas não tanto quanto teria tomado 74, 54, até 34 anos atrás. Aos oito, eu não conseguia falar com ninguém, certamente não meus pais, nem meu melhor amigo. Alguém que eu conheço e que teve uma experiência semelhante foi confessar e o padre lhe disse para “rezar um Pai Nosso e cinco Ave Marias” – aumentando o trauma, tornando-lhe culpada. E ele nunca alertou seus pais! O silêncio do confessionário. Então eu também tenho que dizer que nem sempre é apropriado falar e eu respeito aqueles que não podem ou não o fazem por qualquer motivo. Como Robin Morgan apontou em uma publicação perspicaz alguns dias atrás, os motivos para não falar mudaram ao longo do tempo – nunca é apenas uma única coisa.

E isso afeta diferentes pessoas de forma diferente, “… com o tempo, a tragédia e a injustiça visitadas sobre nós se sentam de maneira diferente em nossos corpos, almas e espíritos” (Siphokazi) Mas, como diz Vicki, ela permanece com você! Partindo mesmo quando você pensa que está acabando. Portanto, cabe a nós que pode falar em favor dos milhões que não podem. Podemos nos tornar “um alquimista transformando nossa dor e tristeza em determinação e ação feminista” (Drue). “Levar a sua ferida” (Clarice) em algo que dá coragem aos outros. E sim, sim Tina, “recontar (faz) … torná-lo menos doloroso”.

 

Por David Linger

Quero comentar sobre o #eutambém. Eu entendo que existem muitas mulheres que foram assombradas e violadas ao longo de suas vidas. É uma tragédia de proporções impensáveis e as histórias que li são dolorosas. No entanto, eu quero deixar registrado que, para um homem que tenha sido violado violentamente quando criança, e para quem essas histórias trouxeram memórias extremamente desagradáveis, parece não ter espaço na discussão. Por quê? Os homens também são vulneráveis a assédios, violência e humilhação. Eu, por exemplo, acabei em um hospital e menti sobre o que aconteceu comigo, como muitas outras pessoas o fizeram. Esta discussão não deve ser propriedade de alguém, a menos que seja propriedade de todos.

 

Por Mauro Cabral

Para cada homem cis que me assediu, me tocou sem permissão ou contra minha vontade, tentou me agarrar ou me agarrou, para cada músico, aluno, professor, ativista ou médico que tentou abusar de mim ou abusou, houve tantos outros homens cis que olharam para o outro lado, que os aprovaram, que os celebraram, que se justificaram, se esconderam e se esqueceram.

Eu não esqueço.

Lembro-me de suas palavras, de seus gestos, lembro-me de suas risadas, de seus rostos. Seja quem for: eu lembro dos nomes deles. Como muitos outros, eles se perguntam sobre Santiago Maldonado, exigem justiça e punição, fazem bandeiras em manifestações de direitos humanos, escrevem #nenhumaamenos, batem no peito com orgulho enquanto desejam derrubar o patriarcado cisheterosexual e defender a memória.

Eu os vejo e eu me pergunto quantos outros atos de violência devem ter testemunhado, quantos outros amigos eles têm protegido, quantos amigos os estão protegendo de assumir a responsabilidade nesse momento, quantos os convencem da inutilidade de reconhecer que eles sabiam, mas silenciaram, que eles deveriam ter feito uma escolha e eles a fizeram.

Para cada homem cis, trans, intersexual, para cada travesti, para cada pessoa trans, não binária e intersexual, para cada um de nós que escreve #eutambém, também existem outros milhares de homens cis que se concedem mutuamente a impunidade por suas ações.



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