Ana Paula Silva
No mês de agosto, o Coletivo DAVIDA e o Observatório da Prostituição (IPPUR/UFRJ) firmou uma série de parcerias com diversas instituições para promover vários ciclos de debates “Um Século e Meio de Abolicionismo: prostituição, criminalização e o controle da mulher”, que teve como proposta discutir as consequências de um século e meio das políticas abolicionistas da prostituição nos principais países do Ocidente. Com isso, foi possível apresentar análises críticas do abolicionismo que consiste, em geral, na posição de que o Estado, através de leis que criminalizam a prostituição (sem necessariamente criminalizar a prostituta), podem diminuir ou eliminar o comércio do sexo. Composto de pesquisadoras, feministas e trabalhadoras do sexo, as apresentações das mesas concentraram na história e na atualidade do abolicionismo, particularmente no assim- chamado “Modelo Nórdico” (atualmente representado por muitas pessoas como uma espécie de “best practice” na luta contra a exploração sexual), a experiência dos EUA (onde o abolicionismo tem se transformado numa verdadeira guerra contra as prostitutas), e a situação brasileira (onde um abolicionismo formal é utilizado para regulamentar, extraoficialmente, o comércio do sexo). A turnê de discussões aconteceu enquanto tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que criminalizam a contratação e oferta de serviços sexuais, baseados no controverso “modelo sueco”, apontado em relatório da Anistia Internacional como desfavorável à proteção dos direitos dessas profissionais. Esse ciclo de discussões contou com a presença permanente de Melinda “Mindy” Chateauvert, ativista norte-americana e historiadora do movimento das trabalhadoras sexuais, Pye Jakobsson, presidenta do NSWP, organização internacional para profissionais do sexo e Monique Prada, ativista, profissional do sexo, escritora e, atualmente, consultora voluntária para a ONU Mulheres.
Os debates ocorreram em cinco cidades: Florianópolis, São Paulo, Campinas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro e em cada uma dessas cidades contaram com convidadas especiais, como a pesquisadora e professora Adriana Piscitelli (PAGU/UNICAMP) em Florianópolis, durante o “Congresso 13o. Mundo de Mulheres e Fazendo Gênero 11”. Foi realizada uma mesa- redonda e um Simpósio Temático intitulado “Feminismo, trabalho sexual e as políticas de Estado: do novo abolicionismo ao putafeminismo”. Em São Paulo ocorreram duas sessões, uma na USP e contou com a presença da doutoranda do PPGAS/FFCLH, Letízia Patriarca e os pesquisadores Ana Paula da Silva (UFF/DAVIDA/OP) e Thaddeus Blanchette (UFRJ/DAVIDA/OP). A segunda edição aconteceu no Teatro do Faroeste com as participantes permanentes. Em Campinas, ocorreram duas mesas e contaram com as participações de Amara Moira, prostituta, escritora e doutoranta. Autora do livro “E se eu fosse puta”. Betânia Santos, prostituta, ativista e presidenta da Associação de profissionais do sexo “Mulheres Guerreiras” e co- presidenta do Coletivo DAVIDA. Foi organizado pelas pesquisadoras Letizia Corazza (PAGU/UNICAMP), Carolina Branco Castro Ferreira (PAGU/UNICAMP). Além de ter como mediadora Lauren Zeytoulian (doutoranda do PAGU/UNICAMP).
A turnê seguiu para Belo Horizonte que contou com a presença de Cida Vieira, prostituta e ativista, presidente da Associação das Profissionais do Sexo de Minas Gerais (APROSMIG), além da pesquisadora e pós- doutoranda Letícia Barreto (UFMG), Anyky Lima, ativista, vice- presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (CELLOS-MG). O ciclo de debates encerrou suas atividades no Rio de Janeiro com as presenças de Lourdes Barreto, prostituta e ativista, presidenta do Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará (GEMPAC), uma das fundadoras do Movimento das Prostitutas, juntamente com Gabriela Leite, que esse ano completa 30 anos e Indianara Siqueira (prostituta, ativista, presidente do TransRevolução e idealizadora do projeto Casa Nem. Todas as mesas tiveram como mediadores fixos os antropólogos e pesquisadores do Observatório da Prostituição Profa. Ana Paula da Silva (UFF). Ela, atualmente, presidenta do Coletivo DAVIDA, especialista nas áreas de estudos da prostituição, turismo sexual e tráfico de pessoas. Prof. Thaddeus Blanchette (UFRJ), especialista nos campos da prostituição, imigrações, tráfico de pessoas.
A rodada de debates fechou com uma grande confraternização na “Puta Festa” para comemorar os 30 anos do Movimento de Prostitutas e contou com homenagens a algumas fundadoras do movimento, como Lourdes Barreto (GEMPAC), Genilza Marinho (DAVIDA) e Maria Nilce Santos (DAVIDA). Desfile da coleção especial da DASPU e da Coleção Casa Nem, projeto intitulado “CosturaNem”. A festa ainda contou com diversas atrações musicais e DJ’s.
Os eventos tiveram a presença de público em torno de 1.000 pessoas que se traduziram em plateias interessadas e atentas ao propósito dos eventos que tratavam da necessidade de uma discussão maior sobre o que é, também, ao que tem sido a abolição, no Brasil e no exterior, e – particularmente – sobre os efeitos da criminalização da compra do sexo, implementada pela Suécia, Noruega e, agora, França. Política com grande apelo entre determinados setores feministas e grupos religiosos, o assim chamado “Modelo Nórdico” tem sido duramente criticado pela Anistia Internacional, a Organização Mundial da Saúde, e os movimentos organizados das trabalhadoras do sexo por empurrar a prostituição para a clandestinidade. As palestrantes também levantaram abundantes dados de pesquisas feitas na Suécia que têm salientado os efeitos negativos dessa política nas vidas das trabalhadoras do sexo, enfatizando que a vigilância do Estado sob a prostituição acaba estigmatizando as mulheres identificadas como prostitutas, resultando em várias sanções jurídico-legais contra elas mesmo que a venda do sexo, em si, não seja criminalizada. As mesas discutiram esse modelo (atualmente sendo debatido no Congresso brasileiro sob os auspícios de um Projeto de Lei da autoria de João Campos, deputado evangélico) na luz das experiências históricas com abolicionismo nos EUA e no Brasil.
Dentro desse contexto, a intenção de organizar esses ciclos de debates foi uma tentativa de evitar os resultados negativos dos últimos dois anos de disputas no estilo “vamos confrontar os dois lados da questão da prostituição”, e, por isso achou-se importante trazer subsídios para uma discussão mais nuançada sobre o que é, de fato, a abolição e porque as organizações como a Anistia Internacional e a OMS, informadas pelo consenso científico, têm optado para a descriminalização. As organizações que pensaram esses eventos tiveram como objetivo principal levar profundidade a crítica contra o abolicionismo, trazendo pesquisadoras e ativistas da primeira linha para discutir o assunto. Nesse sentido o Coletivo DAVIDA e o Observatório da Prostituição julgaram que faltavam informações ao grande público acerca de como os dois abolicionismos “modelares” do mundo Ocidental (o da Suécia e o dos EUA) de fato funcionam, além de, explicar de forma mais geral como são as leis referentes à prostituição no Brasil. As participantes foram escolhidas por serem excelentes pesquisadoras científicas sobre a prostituição, ou por serem lideranças prostitutas pesadamente engajadas na questão de descriminalização/regulamentação.