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Análise de Michelle Agnoletti sobre o caso de ejaculação no transporte público

por Michelle Agnoletti

Penalistas apontam a criação de uma zona cinzenta após a incorporação da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal ao crime de estupro, também para a imprecisão do conceito de vulnerabilidade relativa na caracterização de crimes contra a dignidade sexual. Há na reforma de 2009, malgrado inegáveis avanços, figurando como o principal a consideração do bem jurídico aviltado pela prática de crimes dessa natureza – não mais costumes, mas liberdade e dignidade sexuais – a atecnia de enfeixar em um mesmo tipo penal condutas de gravidade tão distinta quanto um beijo roubado e uma curra. Os elementos do tipo têm que ser analisados caso a caso, e, nessa discussão, a mim parece inegável que houve prática de ato libidinoso contra uma mulher que, por estar dormindo ou concentrada mexendo no celular (há duas versões distintas), claramente não teve como oferecer resistência. Há uma vulnerabilidade relativa, circunstancial, mas isso não descaracteriza a ofensa à dignidade sexual da vítima, que não consentiu com o que lhe foi feito, e isso, se não alcança a violência do uso da força (vis compulsiva) ou da promessa de um mal injusto e grave plausível, se não contempla os meios fraudulentos de viciar a vontade para obtenção do consentimento, tampouco pode ser reduzido a mera importunação ofensiva ao pudor. A meu ver, houve aproveitamento de uma vulnerabilidade que, ainda que circunstancial, sonegou à mulher o direito de oferecer resistência ou mesmo consentimento para a prática do ato. Houve constrangimento também aos demais passageiros. Se o encarceramento massivo não ataca as estruturas do machismo (não apenas do Judiciário, mas também e sobretudo do Legislativo), a decisão que não reconhece sequer constrangimento tampouco o faz, ao contrário, abre perigoso precedente e, mal explicados seus fundamentos, transmite muito mais a sensação de impunidade e desamparo que de segurança jurídica. No fim das contas, angustiada diante desse caso, tenho muito menos certezas do que dúvidas desafiando minhas convicções, mas acho que, invariavelmente, volta e meia escolhemos péssimos ícones para a causa garantista ou abolicionista penal.



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