Sxpolitics [PTBR]

A política sexual em março e início de abril de 2017

mapa-e1450797605170

A política do aborto continua no centro do palco da política sexual brasileira. Como se sabe,  em 7 de março, uma Ação de Arguição de Preceito Constitucional (ADPF442),  que interroga a constitucionalidade da criminaliazção do aborto,   foi apresentada pelo PSOL em parceria com ANIS ao Supremo Tribunal Federal. Um primeiro debate público sobre a ADPF 442 aconteceu no Rio de Janeiro no dia 27 de março. A ação também foi objeto de um artigo do Intercept e, no dia 28 de abril,  foi lançado no Canal Brasil o documentário Meu Corpo Minha Vida, da diretora Helena Solberg, que resgata a história de Jandira Madalena Santos, morta em 2014 ao realizar um aborto clandestino e inseguro (aqui e aqui) .

O reaquecimento do debate sobre o direito ao aborto suscitou, como era previsível, a inevitável reação das forças contrárias à  despenalização. Antecipando o início do processamento da ação pela Corte, o Partido Social Cristão apresentou um Amici Curi  manifestando-se contrário à proposição.  E, tão logo a Ministra Rosa Weber, que tem a ação sob sua responsabilidade, solicitou ao Executivo, Legislativo e MPF que se manifestassem sobre os argumentos da ação, a Presidência da República enviou uma nota técnica sigilosa à Advocacia Geral da União na qual também se posiciona contra a descriminalização. Numa entrevista para o site da CONECTAS, Sonia Corrêa analisou , criticamente,  os trechos da nota que foram divulgados pelo Estado de São  Paulo. 

Enquanto o debate vai ganhado corpo, com uma densidade que há muito tempo não se registrava no país, a criminalização e as violações que dela decorrem seguem seu curso. Além do caso de Curitiba de uma mulher presa ao buscar um hospital em situação de aborto incompleto, já documentado  pelo SPW,   registrou-se um caso de estupro e gravidez de uma menina de 11 anos no Piauí que teve a interrupção da gravidez negada. Em Campo Grande (MS), uma mulher foi atendida pelo SAMU após um aborto e encaminhada, com escolta policial, até um hospital, caso que foi objeto de um artigo de Debora Diniz no Brasil Post. Nesse mesmo período a ANVISA publicou uma nota  informando que havia tirado do ar um site de venda de Misoprostol pela Internet.  E, no estado do Rio, ocorreram dois episódios de intervenção criminal relacionada ao aborto ilegal: em Itaperuna uma mulher foi presa em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, uma clínica foi fechada.

Mas também registram-se  boas novas nesse campo atravessado por tantas tensões. A contrapelo das posições institucionais e das operações policiais acima mencionadas, foram divulgados os resultados de uma Pesquisa de Opinião feita pelo IBOPE em parceria com o Grupo Católicas pelo Direito de Decidir segundo os quais “64% brasileiros defendem que a interrupção da gravidez deve ser uma escolha exclusiva da própria mulher”. O levantamento mostra também que 9% da população acredita que a decisão deve ser dos maridos ou parceiros; 6% do Judiciário; 4% da Igreja, 1% da Presidência da República; e 1% do Congresso Nacional (saiba mais aqui). E, quando estávamos fechando o anúncio do período, recebemos a notícia de que a Justiça condenou a Prefeitura do Rio de Janeiro a pagar uma multa por ter negado o aborto num caso de anencefalia.

Outra área crítica da política sexual no momento atual é, como se sabe, a política educacional onde batalhas contra a chamada ‘ideologia de gênero”  — que também compõe a agenda do movimento Escola sem Partido —  estão em curso há alguns anos especialmente no âmbito dos legislativos estaduais e municipais. Em março de 2017, há finalmente um sinal positivo a reportar nesse conturbado terreno da política pública. Ao julgar uma ação de inconstitucionalidade, que incluía um pedido de liminar,  o ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu lei aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas que se pauta pela agenda do movimento EScola sem Partido.

Em contraste com essa decisão, no começo de abril, o Ministério da Educação retirou da Base Curricular do Ensino Fundamental as expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual” que constavam na versão inicial como diretrizes para a equidade e a diversidade, mantendo apenas o termo gênero. Na mesma revisão, foi excluída linguagem relativa ao ensino religioso argumentando que o mesmo é facultativo.  Essa dupla exclusão – que sugere a adoção de uma estratégia de ‘neutralidade’ por parte do nível federal –não surtiu efeito sendo questionada por todos os lados. A exclusão de orientação e identidade de gênero, bastante comentada pela imprensa, foi também alvo de veemente protesto por parte da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Transexuais e Travestis (ABGLTT).

Nesse contexto de debate acirrado sobre gênero e sexualidade na educação é muito significativa e inspiradora a trajetória da primeira mulher trans negra a terminar um doutorado no país (Universidade do Paraná). Da mesma forma,  é mais que positiva a decisão da Justiça Federal que obriga o Exército Brasileiro a indenizar  Marianna Lively, uma mulher trans, por discriminação sofrida no processo de alistamento.

O balanço do mês não poderia deixar de mencionar o episódio da acusação de assédio sexual feita por  Susllem Meneguzzi contra o ator José Mayer no blog “Agora é que são Elas”  na Folha de São Paulo,  que teve inúmeros desdobramentos, inclusive a suspensão temporária do ator pelo sistema Globo de Televisão. O volume de notícias sobre o caso é colossal, o que oferecemos é uma pequena compilação de matérias e artigos.

Finalmente, chamamos atenção para o processo de Revisão Periódica Universal do Brasil no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU que vai acontecer no início de maio. Já estão disponíveis  o relatório da própria ONU sobre o Brasil, assim como os relatórios-sombra das ONGs.  Recomendamos a leitura do relatório ONU, pois além de uma avaliação severa acerca da falta de autonomia financeira e política das instituições nacionais de direitos humanos, da grave crise carcerária e da situação dos povos indígenas, o documento também aponta para violações relacionadas à raça, gênero e sexualidade. A avaliação negativa inclui críticas às regressões em acesso ao conhecimento e à perspectiva de gênero e sexualidade na política educacional. Essa crítica, inclusive,  ganhou a grande mídia na última semana semana, quando vários Relatores Especiais fizeram publicamente no CDH da ONU uma advertência  quanto à Campanha Escola sem Partido e seus efeitos.  No âmbito dos informes da sociedade civil, são especialmente relevantes: o relatório elaborado pela rede Brasileira de Prostitutas em parceria com o Observatório da Prostituição e várias associaçnoes locais e  o relatório sobre direitos reprodutivos elaborado pelo IPAS Brasil em parceria com a Sexual Rights Initiative.

Por fim, mas não menos importante, destacamos as comemorações dos 30 anos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) (aqui  e aqui).

Internacional

Em relação aos direitos LGBT uma boa notícia vem de Portugal: a aprovação pelo Conselho de Ministros de uma nova lei de identidade de gênero que deixa para trás os critérios patologizantes de diagnóstico e inclui medidas para erradicar a violação da integridade corporal de crianças e pessoas intersex.  Outra vem da  Suécia, onde o governo vai indenizar pessoas trans  que foram obrigadas a se esterlizar, nos últimos trinta anos, como requisito para a readequação de sexo/gênero.

Já no âmbito do direito ao aborto,  há uma boa e uma má notícia. Na Argentina, a jovem Belén que havia sido presa arbitrariamente após sofrer um aborto espontâneo foi liberada e absolvida. No Uruguai, um segundo caso grave revela o quanto a legalização não significa o ponto final das controvérsias sobre aborto. Em fevereiro, uma juíza suspendeu um procedimento de aborto a partir de uma demanda judicial do ex-parceiro da mulher que discordava da decisão (saiba mais em espanhol). E, em março, uma jovem pobre de uma cidade do interior que não sabia que estava grávida foi presa após parir no banheiro de sua casa (saiba mais em espanhol).

Recomendamos

Acão no STF: Por um debate mais racional – Entrevista com Luciana Boiteux/SPW

Orientação sexual e Identidade de Gênero retirado de documentos oficiais sobre educação: Por que isso é ruim? – Site Nova Escola

Herbert Daniel – Pioneiro no combate à discriminação de LGBTs no Brasil. Entrevista especial com James Green – Instituto Humanitas

Livro discute avanços e desafios do feminismo na América do Sul – Jornal da USP

Jornalistas apresentam experiência do portal Catarinas em seminário sobre direitos das mulheres – Catarinas

Oportunidades

Seminário Internacional Desfazendo Gênero III – Com a diferença tecer a resistência

Estudos de Gênero do PAGU/UNICAMP

Sexualidade e Arte

Günes Terkol: reimaginando o feminino

A ‘arte’ dos ‘sonhares’: breves notas sobre uma exposição

Sexo Ágil nº 6 – Karina Buhr

Outros jeitos de usar a boca de Rupi Kaur

 Clique aqui para acessar nosso site

 



Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo