Publicado originalmente na Agência de Notícias de AIDS
Por Richard Parker*
O mundo começou a ter notícias dos primeiros casos de AIDS no começo da década de 1980. No Brasil, as primeiras notificações em território nacional começaram em 1982. Alguns anos depois, o governo federal criou o Programa Nacional de AIDS, vinculado ao Ministério da Saúde. No mesmo período, surgiu o Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS em São Paulo (GAPA-SP).
A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) foi formalmente fundada no dia 10 de abril de 1987, idealizada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e um grupo interdisciplinar de colaboradores. Fomos a segunda organização da sociedade civil criada para enfrentar a epidemia de AIDS no país.
A AIDS chegou no Brasil num momento ímpar para a sociedade. Depois de quase 20 anos de ditadura militar, o país mergulhava no processo de profundas mudanças sociais e políticas, cujo maior expoente era a redemocratização. Foram nesses tempos que a sociedade teve que se mobilizar para o enfrentamento de uma das maiores epidemias da história mundial. E, sintonizada com este momento histórico, a ABIA elegeu a democratização da informação como eixo principal de sua atuação.
Naqueles anos, já havia a sólida crença de que o acesso à informação era crucial para o combate à epidemia. No início, a democratização da informação sobre a AIDS tinha como finalidade superar a negação generalizada da dimensão e do impacto da epidemia no país. Tínhamos convicção de que era necessário focar no desenvolvimento de políticas e respostas mais eficazes para o enfrentamento da doença.
Com o passar do tempo, democratizar a informação também passou a significar alcançar as populações mais vulneráveis à infecção pelo HIV. A vivência cotidiana dos problemas causados pela epidemia nos mostrava o quanto essas populações estão marginalizadas e excluídas do acesso à informação e, consequentemente, ao tratamento adequado. Outro eixo norteador das ações da instituição tem sido o monitoramento crítico das políticas públicas.
Solidariedade
Nestes 30 anos, a ABIA e o movimento social de AIDS contribuíram para uma nova maneira de pensar a epidemia que impactou o sucesso da resposta brasileira à aids num determinado momento. Pelo menos quatro princípios foram fundamentais neste contexto: (1) a ideia de solidariedade como ponto central para a resposta social à uma doença aparentemente incurável e inevitavelmente fatal; (2) a importância do respeito à diversidade em relação às comunidades e populações afetadas pela epidemia; (3) a necessidade de garantir a cidadania das pessoas que vivem com HIV e das que estão vulneráveis à infecção pelo HIV; e (4) o direito à saúde para todos os cidadãos brasileiros como subjacente a qualquer resposta significativa à epidemia.
Juntos, estes princípios criaram a base moral, ética e política para o enfrentamento de uma epidemia que na época não tinha remédio técnico significativo. Outro mecanismo que desde o começo tem sido adotado na ABIA é a construção de pontes de diálogos entre diversos setores, com destaque para ativistas, pesquisadores, gestores e pessoal dos serviços de saúde. Foram nesses espaços de diálogo inter-setorial onde foram germinadas ideias e propostas valiosas que contribuíram para uma resposta brasileira outrora elogiada no mundo.
Este dia 10 de abril de 2017, nos oferece a oportunidade de refletir sobre o atual momento no enfrentamento à epidemia. Os princípios que nortearam a atuação da ABIA desde a sua fundação permanecem mais relevantes do que nunca.
Neste contexto, chamamos a atenção para dois fatores preocupantes nos últimos tempos: o enfraquecimento da sociedade civil e das respostas governamentais. Estamos convictos de que o país necessita, urgentemente, revigorar a resposta à epidemia – e que temos condições de fazer isto, desde que reforcemos o nosso compromisso histórico com a solidariedade.
Neste momento comemorativo, a ABIA renova o seu compromisso em se manter na trincheira de luta e fomentar ideias que possam renovar o enfrentamento à epidemia de HIV e AIDS no Brasil e no mundo.
ABIA 30 anos de luta e solidariedade!
*Richard Parker é diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA)