Em meio à restauração conservadora em curso no Brasil desde a chegada ao poder do atual governo, as eleições municipais de outubro constituíram um interessante lócus de observação e análise da interseção entre sexualidade, gênero e eleições. Marco Aurélio Máximo Prado, da UFMG, analisa o pleito do ponto de vista das candidaturas de pessoas trans e o que as vitórias representam no curso da história. Ainda no campo do direito das pessoas trans, boa notícia veio da justiça de São Paulo que reconheceu o direito à mudança de nome e gênero nos documentos sem a necessidade de diagnóstico médico prévio. Também lembramos, e comemoramos, a celebração do Dia Internacional pela Despatologização Trans e do Dia da Consciência Intersexual (em espanhol).
Contudo, globalmente, os refluxos conservadores continuam em curso ampliando os obstáculos no campo da política sexual. O capítulo mais recente desse ciclo foi a vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos EUA que, embora muito relevante, em razão da hegemonia norte-americana, deve ser situado em relação ao arco mais amplo de políticas populistas de direita e retrocessos autoritários a que o mundo assistiu desde 2013. Nesse sentido, fizemos uma compilação de artigos e análises com esse enfoque mais amplo, mas que também exploram os potenciais efeitos da política Trump.
Nesse mesmo horizonte, trazemos a análise de Mara Viveros (em espanhol) sobre a derrota do referendo sobre acordo de paz assinado entre o governo da Colômbia e as FARCs, em outubro, que examina o entrelaçamento desse resultado com as dinâmicas da política sexual e de gênero no país. No texto, Viveros retraça as rotas globais e geopolíticas pelas quais a chamada “ideologia de gênero” tornou-se uma arma de ataque e mobilização política de setores conservadores.
A Cúpula do BRICS, em Goa, na Índia, foi outro tema abordado esse mês, num artigo de nossa parceira Laura Waisbich, que analisa tensões entre atores envolvidos no processo. Sobretudo, Waisbich também examina como a política sexual se manifestou nesse contexto, uma linha de reflexão que o SPW vem desenvolvendo desde 2012.
No âmbito latino-americano, destacamos o lançamento do livro Abortus Interruptus, produzido pela organização Mujeres y Salud en Uruguay (MYSU). O estudo, escrito por Sonia Corrêa (SPW) e Mario Pecheny (UBA, Argentina) e apoiado pela International Women’s Health Coalition (IWHC), examina o processo político da reforma legal do aborto no Uruguai com o objetivo de identificar os alcances, as tensões e limitações da lei.
Por fim, no âmbito da política do aborto há novidades importantes no Brasil. Relatores da ONU manifestaram-se favoravelmente ao direito à interrupção da gravidez no caso das mulheres afetadas pelo zika vírus, em documento dirigido ao STF no contexto da ação, ainda a ser votada, impetrada pela Associação Nacional de Defensores Públicos. No STF, o julgamento de outra ação produziu esperança para o direito à interrupção da gravidez. A 1ª Turma do Tribunal concedeu habeas corpus e revogou a prisão de cinco profissionais acusados de prática ilegal de aborto em uma clínica de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Em seu parecer aprovado por maioria, o ministro Luís Roberto Barroso sustentou a soltura dos acusados tecendo considerações sobre a inconstitucionalidade da criminalização da prática, cujos efeitos mais evidentes e perversos são a violação de direitos fundamentais das mulheres, como autonomia, integridade física e psíquica, direitos sexuais e reprodutivos, igualdade de gênero e igualdade social. Apesar de auspiciosa, a decisão foi imediatamente atacada pela bancada conservadora, religiosa e dogmática no Congresso, que conseguiu emplacar a instauração de uma comissão destinada a confrontar a perspectiva de descriminalização do aborto. O SPW acompanhou o processo, a repercussão e oferece uma breve análise da conjuntura.
Recomendamos
Revista SUR – Mulheres: Mobilizações, conquistas e entraves
AIDS, 35 anos depois – Richard Parker – Carta Capital
Documentário NÓS TAMBÉM FODEMOS – debate sobre sexualidade e pessoas com deficiência
Sexualidade e Arte
Katia Sepúlveda: dispositivos domésticos