Sxpolitics [PTBR]

Zika, informação e aborto

Fonte: Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/Uerj)

A Zika é uma história sendo contada, a julgar pelo quadro de acúmulo de fatos científicos em um cenário de incertezas e enunciação de riscos, que não amplia a margem de ação ou decisão das mulheres. Pesquisa recentemente publicada na revista New England Journal of Medicine (NEJM) lança luz sobre o que pode significar um novo capítulo desta história, ao examinar o possível efeito das advertências oficiais relativas à Zika sobre a demanda por aborto. O estudo mostra que a demanda por aborto terapêutico aumentou significativamente em países latino-americanos que emitiram alertas às mulheres a respeito das complicações associadas à infecção, mesmo que nestes países a interrupção da gravidez seja ilegal ou restrita.

Logo após a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter decretado situação de emergência global em função da epidemia, que se espalhava rapidamente pelo mundo, muitos países latino-americanos emitiram recomendações, incluindo a advertência às mulheres de evitarem uma gravidez em razão da então suspeita relação causal entre a infecção e a microcefalia em nascituros, alertando para as complicações que a infecção podia causar. No entanto, os governos dos países afetados da região permaneceram calados a respeito das opções que deveriam estar disponíveis às mulheres que já se encontravam grávidas quando a suspeita se converteu em fato científico, após ser comprovada a presença do vírus no líquido amniótico de gestantes que carregavam fetos com microcefalia. Assim, países como o Brasil assistiram ao nascimento de uma geração de bebês com esta malformação, e que hoje, ao completarem um ano, apresentam diversos problemas de desenvolvimento, existindo ainda muitas duvidas-perguntas em relação ao desenvolvimento de modo geral, não apenas na primeira infância. E o Estado brasileiro permanece paralisado no que diz respeito à assistência médica adequada a essas famílias. De acordo com o estudo publicado na NEJM, as mulheres parecem estar respondendo a esse silêncio estatal.

Se vivessem em países onde o aborto fosse legal, frente ao diagnóstico da microcefalia, as mulheres poderiam optar entre levar adiante a gestação ou interrompê-la. Contudo, na maioria dos países da América Latina o aborto é ilegal ou restrito a algumas poucas circunstâncias. Por muitos anos, uma opção às mulheres latino-americanas que desejam interromper uma gravidez tem sido a Women on Web (WoW), organização internacional sem fins lucrativos que fornece acesso ao Mifepristone e ao Misoprostol fora do serviço oficial de saúde de países onde o aborto seguro não é acessível universalmente. Elas acessam os medicamentos após preencherem uma consulta online. São então avaliadas por um médico, que fornece a receita para a medicação, a qual pode ser enviada através de uma organização parceira ou adquirida em farmácias (em países onde sua venda é permitida).

A pesquisa

Ao analisar dados relativos a tais pedidos provenientes de países latino-americanos entre janeiro de 2010 e março de 2016, as/os pesquisadoras/es que conduziram o estudo avaliaram se estes pedidos teriam aumentado após os alertas emitidos pelas agências internacionais de saúde – como a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) – e pelos governos, em virtude da epidemia da Zika.

Os países foram divididos em três grupos: o grupo A, composto por países de transmissão autóctone, onde o aborto é restrito legalmente e onde foram emitidas recomendações públicas às mulheres grávidas, como o Brasil, a Colômbia, a Jamaica, El Salvador e a Venezuela; o grupo B, de países sem transmissão autóctone e legislação restritiva do aborto, como o Peru, a Argentina e Trinidad e Tobago; e o grupo C, de países com transmissão autóctone, restrições legais ao aborto e onde não foram feitos alertas às mulheres, entre eles Bolívia, Guatemala, México e Paraguai.

Todos os países do grupo A – exceto a Jamaica – registraram aumentos estatísticos significativos de 36% a 108% nos pedidos por aborto depois do anúncio da Organização Panamericana de Saúde (OPAS). No grupo B, pequenos aumentos foram observados em dois países, Argentina e Peru. O grupo C não registrou aumentos significativos.

“Não podemos atribuir este aumento nos pedidos por medicamentos à preocupação com a Zika ou às recomendações feitas pelos governos às mulheres de evitarem engravidar. Contudo, observamos um aumento nesses pedidos quando comparamos aos períodos pré e pós-epidemia da Zika”, afirma Abigail Aiken, professora da Universidade do Texas em Austin (EUA) e uma das coordenadoras da pesquisa.

Nos países latino-americanos que emitiram alertas às mulheres grávidas a respeito das complicações associadas à infecção pelo vírus da Zika, os pedidos por aborto através da WoW aumentaram significativamente.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde existem hoje 44 países com casos autóctones de Zika nas Américas. A OMS prevê que 3 a 4 milhões de pessoas no continente (incluindo as Américas do Norte, Central e Sul, além do Caribe) irão contrair a doença até 2017, e o vírus inevitavelmente se espalhará a outros países onde o acesso ao aborto seguro é restrito.

“Os governos que enfrentam uma epidemia de Zika, especialmente aqueles que desejam aconselhar as mulheres a evitar uma gravidez, precisam assegurar informações precisas a respeito dos riscos da doença, e prover o acesso ao cuidado médico e a uma variedade de opções reprodutivas, incluindo o aborto”, complementa a coordenadora da pesquisa.

No Brasil, 1670 dos 5.561 municípios registram notificações de casos de microcefalia. Em setembro de 2016 o país registrava 9514 casos da Sindrome Congênita do Zika, 68% dos casos investigados. Os dados mostram que no Brasil a epidemia está progredindo, e ainda muitos municípios podem ser atingidos. Recentemente foram disponibilizados testes rápidos a serem utilizados na rede pública junto às gestantes. A despeito da importância do acesso ao diagnóstico de Zika, ainda é possível questionar o alcance dessa medida, pois apenas sugere uma classificação especial a essa gravidez, motivando cuidados especiais, mas impingindo a decisão pela continuidade da gravidez.

“A informação oficial sobre a exposição ao vírus da Zika e as medidas de controle do vetor devem estar acompanhadas por esforços que assegurem que todas as escolhas reprodutivas sejam seguras, legais e acessíveis”, finaliza Abigail Aiken.

Acesse aqui a publicação

 



Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo