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Academia Nacional de Medicina discute a questão do aborto em diversos aspectos

Publicado originalmente no Jornal do Brasil em: http://www.jb.com.br/ciencia-e-tecnologia/noticias/2016/04/08/academia-nacional-de-medicina-discute-a-questao-do-aborto-em-diversos-aspectos/

O Presidente Acadêmico Francisco J. B. Sampaio afirma que é fundamental trazer a discussão para a Academia.

Recentemente no Brasil, o aumento dos casos de microcefalia em recém-nascidos, associado ao surto de Zika vírus, pode agravar uma realidade brasileira preocupante: o número de abortos clandestinos realizados no país.

O Acadêmico José Gomes Temporão, Ministro da Saúde de 2007 a 2011, abordou o importante assunto que é “Dilemas do Direito ao Aborto em Face de Doenças Emergentes”.

Mesa Diretora: Juiz José Henrique Torres (SP), Profa. Lena Lavinas (UFRJ), Acadêmico Francisco J. B. Sampaio (Presidente), Acadêmico Cardoso de Castro (Secretário), Profa. Sonia Corrêa (ABIAIDS) e Acadêmico José Gomes Temporão

Temporão mostrou que o surgimento de uma nova doença sempre traz consigo o receio de contraí-la,principalmente no caso de doenças infectocontagiosas, neste caso a febre provocada pelo Zika vírus, transmitida principalmente pelo conhecido mosquito Aedes aegypt.

Especificamente em relação a esta doença, a ciência hoje tem poucas respostas para inúmeras perguntas.

Existem algumas dimensões envolvidas no presente surto causado pelo Zika em nosso país:

1.      Científica, na busca de respostas e de tecnologias capazes de fazer frente à doença.

2.      Estrutural, considerando que as precárias condições de infraestrutura sanitária dos espaços urbanos brasileiros tem impacto na disseminação da doença

3.      Ambiental, pelo impacto do uso de inseticidas e larvicidas no combate ao Aedes.

4.      Assistencial e do cuidado, pela necessidade de atender de modo integral as famílias e os bebês vítimas do que hoje se denomina de Síndrome do Zika Congênito.

5.      Dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, na medida em que a infecção pelo vírus pode causar sérias lesões durante o processo de desenvolvimento fetal intrauterino, o que traz de volta ao debate nacional a questão da interrupção da gravidez como uma questão de saúde pública, que foi o objeto deste seminário na Academia Nacional de Medicina.

E aqui existe a singularidade das mulheres em viver na situação de possível adoecimento por uma patologia que pode potencialmente causar danos irreparáveis ao bebê. Ou seja, mulheres ameaçadas por um fator externo, de difícil ou impossível controle e que desejem (ou não) essa gravidez.Situação distinta da decisão de interromper a gravidez em contextos onde não há uma ameaça externa de doença.

Considerando que a principal forma de transmissão é o Aedes aegypt, de imediato o tema nos remete a aspectos estruturais do processo de urbanização mais do que a medidas de cunho individual que poderiam ser efetivas nesse contexto. Isso introduz um cofator, o Estado como elemento importante nesse dilema, dado que por omissão histórica, as condições sanitárias que facilitam a proliferação do vetor continuam presentes: apenas 50% dos domicílios estão ligadas à rede de esgoto, a questão do lixo, estrutura urbana, etc.

Segundo a antropóloga Débora Diniz da UNB, “o Estado é apresentado como “responsável pela epidemia de Zika”, por não ter erradicado o mosquito. Nesse caso, constitucionalmente, as mulheres não poderiam ser “penalizadas pelas consequências de políticas públicas falhas”, entre elas a microcefalia. Portanto, “deveriam ter direito à escolha do aborto legal”, entre outras iniciativas.

Lembrando que em em 2004, o grupo liderado pela Professora Diniz ingressou no STF como uma arguição de descumprimento de preceito fundamental para discutir no Supremo o que via como violações à Constituição pela não autorização do aborto em caso de fetos anencéfalos.

Oito anos depois, em 2012, a corte determinou que nem mulheres, nem profissionais que realizam abortos nessa condição podem ser punidos. Essa foi a primeira vez na história em que o STF tomou decisão sobre saúde e direitos reprodutivos.

Propõe-se uma agenda de debates sobre temas considerados centrais em qualquer política que pretenda dar um grau de resposta adequado a este grave problema de saúde pública que nos afeta:

1.      A urgência em termos uma Política nacional de universalização do saneamento básico (agua, esgoto, lixo) e intervenções estruturais nas cidades (moradia, aguas pluviais, dragagem e canalização de rios e córregos, etc.).

2.      Ampla informação sobre os riscos da doença para as mulheres e bebês. Clareza sobre o que pode significar a síndrome do Zika congênito. Recomendação às mulheres e casais?

3.      Ampla informação e acesso aos anticoncepcionais nas regiões e populações de maior risco.

4.      Aborto legal para as mulheres que contaminadas pelo vírus decidam interromper a gravidez.

5.      Apoio e cuidados integrais para as que decidam dar continuidade à gravidez.

Cuidado integral pelo Sistema Único de Saúde para as mães e bebês que nasçam com problemas de saúde em decorrência de infecção pelo Zika.



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