Publicado originalmente no blog Escreva, Lola, Escreva. Disponível em: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2016/03/o-machismo-de-lula.html
Hoje cedo, antes de sair pra trabalhar (meus inimiguinhos me acusam de ser funcionária fantasma — eu devo ser a fantasma mais assídua que existe!), recebi um monte de cobranças de reaças.
Reaças, como vocês sabem, passam o dia fazendo três coisas: tentando derrubar governos democraticamente eleitos, atacando feministas, e exigindo posicionamento de feministas sobre quem ataca feministas. É meio estranho o negócio, porque eles vivem negando que machismo existe. Pra eles, é tudo mimimi de feminista. Exceto quando alguém que eles odeiam é machista. Aí eles são os primeiros a acionarem o alarme feminista: “Uó, uó, uó, cadê as feministas?!”
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Reaças não viram machismo algum neste adesivo. Consideraram as críti- cas “vitimismo feminista” |
O alarme da vez foi acionado quando Sergio Moro divulgou gravações de conversas que Lula teve por telefone com um bocado de gente, incluindo a presidenta (pois é, alguém pode perguntar: mas pode ficar grampeando telefone de presidente? Parece que pode tudo). Nas conversas divulgadas, Lula abusa dos palavrões e, talvez, do machismo. A ironia é reaça (que tem como ídolo-mor um sujeito que não fala uma frase sem c*, o Olavão) posar de moralista. Reaça, que chama Dilma (e qualquer mulher que eles não gostam) de tudo quanto é nome sexista, se espantar com machismo.
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Daí pra reaça criar e espalhar memes de que Lula teria chamado Marta de puta foi um pulo.
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Mas a conversa gravada que pegou mesmo é uma em que Lula fala de “mulheres do grelo duro”. Essa precisa de mais contextualização.
Num telefonema com o ex-ministro Paulo Vannuchi, Lula diz que as mulheres do PT têm que se indignar contra o procurador de Rondônia Douglas Kirchner.
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Apesar de todas as acusações contra Douglas (sequestro, cárcere privado, espancamento), ele foi inocentado. Sua advogada, Janaina Paschoal, a mesma que, ao lado de Hélio Bicudo, pediu o impeachment de Dilma, alegou que não era um caso em que cabia a Lei Maria da Penha. Segundo ela, é um caso de “liberdade religiosa”.
Em defesa de Kirchner, um dos conselheiros que o julgou perguntou: “Será que se um de nós viermos a sofrer transtorno mental, vamos ser exonerados?” (Ahn, se o transtorno mental te leva a bater na esposa, a resposta é sim).
Portanto, acho que Lula tem razão ao dizer que as mulheres do PT (e não só elas) não devem deixar Douglas em paz.
Na gravação, o ex-presidente diz que o PT deveria “comprar a briga”, que [o novo ministro da Justiça Eugênio] Aragão deveria “cumprir um papel de homem”, e complementa: “Sabe porque, eu até tirei um sarro da Clara Ant de ficar procurando o que fazer, faz um movimento das mulheres, contra esse fdp! Ele batia na mulher, levava a mulher no culto religioso, deixava ela sem comer, dava chibatada nela, sabe? Cadê as mulher de grelo duro lá do nosso partido?”
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Imagina se um juiz gravasse telefonemas privados entre você e um amigo ou amiga. Ou imagina se divulgassem suas DM (direct messages), seus emails. Alguém se salvaria? A gente não faz piadas machistas, racistas, homofóbicas? Não fala com veneno de quem não gosta? Não fala em particular uma cambada de coisa que jamais falaria em público?
Eu acho fundamental que cada um(a) de nós combata nosso preconceito internalizado, porque cedo ou tarde ele vem à tona. Eu tava falando com o maridão e observei que nós nunca na vida usamos termos como puta e vagabunda pra falar de mulheres, nunca usamos bicha ou viado pra falar de gays, nunca nos referimos a uma pessoa negra como macaca. Em algum momento da nossa existência, desde muito cedo, a gente se deu conta que esses termos são preconceituosos. Não foi a sociedade que nos ensinou. Pelo contrário, a sociedade usa essas expressões à vontade.
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Eu geralmente combato machismo em discursos públicos (comerciais, programas de TV, piadas, tuítes, declarações à imprensa, entrevistas, músicas, debates etc). E, acreditem, já tem bastante material pra combater e desconstruir.