Maria Lúcia Karam *
O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN MULHERES Junho 2014, recentemente publicado pelo Ministério da Justiça, chama a atenção para o crescimento no número de mulheres encarceradas no Brasil. Com efeito, o vertiginoso e ininterrupto aumento do número de presos nos últimos anos, fazendo da população carcerária brasileira a quarta maior do mundo, tem crescentemente atingido mais e mais mulheres. Em menos de quinze anos, a população carcerária feminina no Brasil quase quadruplicou. Do total de presos brasileiros em junho de 2014, as mulheres eram 37.380. Em dezembro de 2000, eram 10.112.
A razão do vertiginoso aumento do número de presos no Brasil é muito clara: principal motor do encarceramento massivo é a ilegítima e desastrosa criminalização do dito ‘tráfico’ das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas. Acusados e condenados por ‘tráfico’ que, em dezembro de 2005 (a partir de quando começaram a ser fornecidos dados relacionando o número de presos com as espécies de crimes), eram 9,1% do total dos presos brasileiros, em junho de 2013, chegavam a 27,2%. Entre as mulheres, essa proporção alcançava metade das presas. Os dados referentes a junho de 2014 nesse ponto são incompletos, excluindo estados como Rio de Janeiro e São Paulo. De todo modo, esses dados incompletos permanecem apontando o ‘tráfico’ como a maior causa de prisão: 27% do total fornecido, chegando a 58% entre as mulheres. A proporção provavelmente é ainda maior. A Secretaria de Administração Penitenciária do estado de São Paulo divulgou levantamento relativo a junho de 2015 indicando que 38,9% dos 221.636 presos naquele estado (o maior contingente do Brasil) são acusados ou condenados por ‘tráfico de drogas’, proporção que se eleva a 70% entre as mulheres.
Quando se coloca o foco dos efeitos do encarceramento massivo brasileiro sobre as mulheres, não se pode esquecer que não são apenas as 37.380 presas que sofrem a opressão, a violência, os danos e as dores provocados pelo sistema penal. São também as mães, companheiras e filhas dos 570.351 homens encarcerados no Brasil (também em junho de 2014), privadas de sua normal convivência familiar, sacrificadas nos difíceis deslocamentos e nas longas esperas pela oportunidade de breves visitas, violentadas nas ainda subsistentes revistas vexatórias no limiar das grades das prisões.
Quando se coloca o foco na necessidade de inverter os rumos do encarceramento massivo brasileiro, o primeiro passo há de ser a mobilização para pôr fim à ilegítima proibição das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas e sua fracassada e destrutiva política de ‘guerra às drogas’. A legalização e consequente regulação e controle da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas é medida indispensável e urgente para afastar o motor do crescimento das prisões e significativamente reduzir o número de presos, assim reduzindo a dimensão da violência, da opressão, dos danos e das dores provocados pelo sistema penal, a atingir tanto mulheres quanto homens.
*juíza de direito aposentada do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, ex-juíza auditora da Justiça Militar Federal e ex-defensora pública no estado do Rio de Janeiro.