Sxpolitics [PTBR]

É hora da pornografia mudar

Originalmente publicado por Luíse Bello no Think Olga em 01/04/2015. Disponível em: http://thinkolga.com/2015/04/01/e-hora-da-pornografia-mudar/

Uma das grandes frustrações de boa parte das mulheres é lidar com tanto machismo nos meios de comunicação. Filmes, séries, livros, jornais e tantos outros produtos midiáticos colaboram na reprodução de discursos degradantes para as mulheres – e, infelizmente, em grande parte pela falta de mulheres em posições de poder na indústria do entretenimento, os maus exemplos ainda são maioria.

Para mudar essa realidade, algumas mulheres colocam mão na massa e se tornam, elas mesmas, produtoras de conteúdo de qualidade para o gênero feminino. Erika Lust estava na faculdade de ciências políticas quando assistiu a um filme pornô pela segunda vez na vida, com seu namorado, e não gostou do que viu – mulheres com corpos irreais, subjugadas a fantasias masculinas em roteiros estapafúrdios. Tudo muito fake e, na sua opinião, nem um pouco excitante. Foi quando ela decidiu trocar sua carreira de cientista política para se tornar diretora de filmes pornôs feministas.

Erika lançou seu primeiro filme, The Good Girl, em 2004, como parte de uma antologia de cinco curtas que ganharam diversos prêmios internacionais. Com o sucesso de sua empreitada, ela pôde fundar a Lust Films, uma produtora pornô dedicada a produzir filmes de alta qualidade. Atualmente, ela se dedica ao projeto XConfessions, no qual coleta fantasias enviadas anonimamente para o site do projeto e as transforma em pequenos filmes eróticos. Ela já lançou livros sobre o tema e acredita que o cinema pornô também é um espaço de empoderamento feminino, já que esses filmes representam, para ela, a educação sexual contemporânea.

Erika Camera Balcony

A que você credita o fato da pornografia feminista ser tão pouco conhecida e frequentemente tratada como uma novidade? Como tornar esse gênero mais popular? E como você acha que essa popularidade ajuda a mudar o momento social que estamos vivendo atualmente?

Eu diria que o erotismo feminista é um gênero que está crescendo em uma indústria dominada por homens. Hoje em dia a internet permite que projetos indie ganhem popularidade de maneiras que inimigináveis no passado. Ao mudarmos a imagem da pornografia, recuperando a sexualidade feminina como expressão artística, a maneira como as pessoas percebem as formas femininas na mídia também muda, criando assim uma imagem mais honesta e moderna das mulheres. Há vários grupos trabalhando pelo direito das mulheres de se expressar da maneira como elas quiserem.

 

Recentemente o Reino Unido baniu uma série de atividades sexuais em filmes pornográficos por serem considerados perigosos. Não apenas a censura do banimento é problemática, mas também o fato de que a maior parte dos atos proibidos eram mais prazerosos para a mulher do que para o homem. Por outro lado, a competitividade da indústria pornográfica tem desafiado os limites ao exibir cenas cada vez mais extremas, como gang bangs (tipo de orgia na qual uma mulher é o foco de vários homens) com centenas de participantes e prolapso retal (quando as paredes internas do reto entram em colapso e escorregam para fora do ânus após práticas extremas de sexo anal). Nesse cenário, onde fica o limite entre censura, liberdade e fantasia em filmes adultos?

A censura faz sentido se você está exibindo material muito forte e sensível. Eu acredito que a censura é muito útil quando o que vemos é violência, discriminação, maus tratos, machismo, abuso, ofensas contra a humanidade exibidas de maneira lúdica com propósitos comerciais. Eu não acho que o sexo e a sexualidade humana se enquadrem em nenhuma dessas categorias. Se o ato sexual hoje em dia é considerado pior que intensa violência gráfica e explícita, então tem algo de errado com o sistema de educação sexual, a mídia e o mundo.

 

Na sua palestra “It’s time for porn to change” (Tá na hora do pornô mudar) no TED, você fala sobre como a pornografia é a atual educação sexual e que “o sexo pode ser sujo, mas os valores devem ser limpos”. Como você acredita que a pornografia pode ajudar a construir esses valores sob uma luz positiva? Isso tem alguma coisa a ver com a sua decisão de não filmar cenas de anal?

Eu acredito firmemente que a pornografia pode ser uma ferramenta educacional. Hoje em dia o acesso à internet e à imagens explícitas são a primeira e principal fonte de informação dos adolescentes sobre sexo, antes mesmo que eles o tenham praticado. Não podemos evitar isso, está acontecendo. E proibindo, envergonhando e marginalizando a ideia de imagens explícitas sobre sexo só piora tudo. Nós temos que mudar a qualidade da pornografia, os valores por trás dela, para que os jovens não aprendam ideias de objetificação, derespeito e violência dela. O sexo dos filmes pornô tradicionais está longe da realidade, mas as crianças começam a acreditar que é assim que se faz sexo: que as mulheres atingem o orgasmo em qualquer posição que você quiser, estão sempre prontas para fazer sexo anal e absolutamente encantadas pela ideia do cara ejacular na cara delas.

A verdade é que mulheres gostam de sexo tanto quanto homens. Sexo é sobre experimentação, diversão e sacanagem! Isso não precisa mudar, o que precisamos é compatibilizar a sacanagem exibida nos filmes com respeito próprio, poder de decisão, consciência, intimidade e valores.

 

Como é para você, rotineiramente, reinventar um novo olhar sobre esse gênero? Você sente que deve estar sempre atenta para não cair de novo na abordagem tradicional, hábitos a evitar, ou isso é natural para você? Uma mulher dirigindo ou produzindo um filme pornô é suficiente para quebrar o paradigma? Por quê?

Os filmes adultos que faço têm uma pegada mais cinematográfica, e pelo aumento da qualidade da produção, o produto final se torna mais que um filme pornô padrão, ele se torna arte. Eu faço erotismo indie. Para quebrar os paradigmas da indústria pornô precisamos de mais mulheres escrevendo, dirigindo e produzindo. Precisamos incrementar os valores que defendem o empoderamento feminino e tomar de volta o controle do que queremos que seja feito com nossas fantasias e desejos.

 

Ativistas anti-pornografia como Shelley Lubben, da Pink Foundation, criticam as condições de trabalho dos atores, especialmente as atrizes. Em uma indústria tão machista, pouco regulada e por vezes despreocupada com questões de saúde, quais são as preocupações da Lust Filmes com a saúde e bem estar dos seus atores?

Aqui na Lust Films colocamos a segurança em primeiro lugar, trabalhamos com profissionais. Nós providenciamos que todos os nossos atores e atrizes façam um check up médico completo. Trabalhos com escalas que funcionam para ambos, e garantimos que todas as condições estejam favoráveis para quem está filmando pela primeira vez e para que os mais experientes se sintam confortáveis e também se divirtam.

 

Como você acredita que assistir pornografia, sozinho ou acompanhado, pode ser empoderador? Você tem algum exemplo de como esse empoderamento foi alcançado por meio desse tipo de intimidade?

Eu acho que filmes pornô podem ser aproveitados tanto juntos quanto separados, já que ajuda na criatividade e renova o desejo sexual. Se feita corretamente,  a pornografia pode ser uma declaração sobre prazer e sexualidade femininas. Pode melhorar o desejo sexual entre os casais e mostrar para as mulheres que é OK gostar de sexo, saber do que gosta e pedir por isso. Assim como a se darem conta de que elas são donas dos seus corpos e, sendo assim, de sua sexualidade. E que tudo bem sentir, gostar e fazer seja lá o que você queira sem ser julgada.

 

No projeto XConfessions, usuários escrevem e enviam suas fantasias anonimamente para você escolher duas por mês e transformá-las em belos curtas eróticos. Com três filmes produzidos e muito mais por vir, que coisas novas e surpreendentes você aprendeu com esse processo de criatividade coletiva?

O XConfessions é completamente coletivo, é um projeto novo de crowdsourcind que colhe os benefícios da originalidade das perversões do público e sua imaginação selvagem. Estamos vendo o prazer real e o que excita pessoas como eu e você serem transportados para as telas em lindos e pequenos curta-metragens. Para mim, é o melhor tipo de erotismo que há! A beleza dele é que realmente mostra o quão fascinante e incrivelmente diversa é a sexualidade humana!



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