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Seminário da ABIA traz para o debate a prevenção de HIV e a homossexualidade na terceira idade

Seminário da ABIA traz para o debate a prevenção de HIV e a homossexualidade na terceira idade

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Seminário Terceira Idade, no salão Betinho, na sede da ABIA

Seguindo sua missão de dar evidência a temáticas de relevância no contexto da prevenção do HIV/AIDS, do acesso ao direito à saúde e da sexualidade e, ao mesmo tempo, pouco ou nada debatidas amplamente na sociedade, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) realizou, no dia 24 de agosto de 2012, o seminário Terceira Idade: Homossexualidade e Prevenção das DST/HIV/AIDS, reunindo em sua sede, no Rio de Janeiro, pessoas nesta faixa etária, bem como ativistas, pesquisadores/as e gestores/as públicos/as.

Com apoio da Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro, este encontro fez parte de projeto homônimo realizado pela ABIA em 2012, sob a coordenação de Vagner de Almeida e Juan Carlos Raxach, e marcou o encerramento deste ciclo de atividades, que contou ainda com oficinas, debates e a produção de um vídeo documentário a partir destas ações junto a homens da terceira idade que fazem sexo com homens (HSH). Além disso, na ocasião do seminário, foi lançada a cartilha “Terceira Idade: Homossexualidade e HIV”, que reúne depoimentos de pessoas vivendo com HIV/AIDS e conteúdos associados ao envelhecimento, orientação sexual e HIV/AIDS, material de relevância, sobretudo com o crescimento do número de casos de AIDS entre a população brasileira de idosos/as.

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Lançamento da cartilha “3ª Idade: homossexualidade e prevenção do HIV”

Durante as mesas que fizeram parte do evento, palestrantes e o público presente analisaram as condições de envelhecimento na sociedade brasileira, considerando as dificuldades e os desafios para se reconhecer esta parcela da população, assegurando uma vida com dignidade e acesso a direitos. Também foram destacados os tabus e preconceitos evidentes quando se trata da sexualidade de pessoas idosas, ainda prevalecendo práticas discriminatórias, como a de se considerar pessoas idosas assexuadas, descartando seus desejos, prazeres e as especificidades da saúde de homossexuais nesta faixa etária, por exemplo.

Expressões discriminatórias e invisibilidade

Na parte da tarde, em sua fala na mesa “A Prevenção ao HIV/AIDS e a Saúde de Homossexuais na Terceira Idade”, Vagner de Almeida, documentarista e um dos coordenadores do projeto, compartilhou algumas achados decorrentes do projeto em questão. Neste sentido, pontuou inicialmente a dificuldade em se ter acesso a dados específicos sobre a população idosa homossexual no Brasil, de forma que os dados estatísticos sobre pessoas nesta faixa etária apresentados pelo IBGE, por exemplo, não dão conta das especificidades da diversidade de idosos/as em termos de orientação sexual, agrupando todos/as em um mesmo pacote.

Além disso, Vagner de Almeida informou que não é apresentada, entre as causas de morte de idosos/as, referência à AIDS, prevalecendo outras doenças, quando, na verdade, dados epidemiológicos relacionados ao HIV/AIDS no Brasil mostram a concentração de casos entre pessoas idosas. O coordenador problematizou a ausência da AIDS entre estas causas e ainda ressaltou o quanto os depoimentos das pessoas ouvidas neste processo revelaram uma rotina de estigmas e discriminações com as quais pessoas idosas homossexuais se deparam em seu dia-a-dia, marcado por expressões impregnadas de conotações preconceituosas, tais como “bicha velha”, “acabados”, “cafona”, e por aí em diante.

Para além do desafio de assumirem sua orientação sexual, Vagner de Almeida destacou que as falas de participantes durante as atividades do projeto mostraram um componente geracional forte, de forma que os homens idosos ouvidos apontaram que tiveram uma formação machista e binária, em que a eles cabia servir ao exército, casar e constituir família como o provedor do lar, sendo bom pai, bom marido. Com isso, foram se anulando e camuflando seus desejos e orientação sexual. Ao mesmo tempo, o conseqüente isolamento social e a exclusão ao se afirmarem homossexuais também estiveram presentes nos relatos das pessoas ouvidas, de maneira que algumas compartilharam que se tornaram solitárias e tiveram, em alguns casos,  depressão, de acordo com Vagner de Almeida.

Dados da Organização das Nações Unidas apresentados durante o seminário mostram que há no mundo mais de 600 milhões de pessoas acima de 60 anos e que, no Brasil, esta população representa 10,8% de brasileiros/as. O dia 1° de outubro é, inclusive, considerado o Dia Internacional do Idoso, mas, mesmo com toda esta tentativa de dar visibilidade a esta população, Vagner de Almeida chamou a atenção para a insistente invisibilidade que observa, o que fica evidente na ausência de estudos e pesquisas que tratem de forma associada de questões de sexualidade e terceira idade. Embora para o projeto da ABIA tenha sido feito um recorte para a população HSH, o coordenador lembrou a importância de se desenvolver estudos que envolvam também lésbicas, transexuais e bissexuais nesta faixa etária, rompendo, assim, com toda a invisibilidade existente, na tentativa de reconhecer as demandas e assegurar direitos a pessoas idosas.

Vagner de Almeida ainda destacou outros aspectos decorrentes do projeto Terceira Idade: Homossexualidade e Prevenção das DST/HIV/AIDS, a partir de algumas categorias analíticas criadas para analisar com mais profundidade os depoimentos e informações colhidas durante as atividades realizadas. No que diz respeito à categoria “idosos e classes sociais”, ele ressaltou o quanto as diferenças sócio-econômicas ficam evidentes e podem determinar o nível de vulnerabilidade do homossexual idoso. Considerando os relatos obtidos, ele ressaltou ter sido apontado que uma coisa é ser homossexual mais velho morando em uma região com mais acesso a bens e serviços, como na zona sul do Rio de Janeiro, e a outra é ser homossexual idoso morando numa área mais pobre. Isto porque a falta de acesso a oportunidades e atividades, por exemplo, de lazer, colocam as pessoas em questão mais vulneráveis a situações de violência e discriminação, havendo situações relatadas de pessoas que foram expulsas de comunidade, pela condição de HIV positivas.

Por fim, o coordenador do projeto compartilhou algumas reivindicações apresentadas pelos participantes, entre as quais a disponibilização pelo governo de casas de apoio ao homossexual idoso. E também ressaltou que a pessoa na terceira idade tem tesão na vida, cabendo à sociedade acolher a diversidade e ao governo assegurar acesso a direitos às mesmas, com uma vida digna.

Impressões sobre o projeto  e o seminário Terceira Idade

Durante o seminário Terceira Idade: Homossexualidade e Prevenção das DST/HIV/AIDS, participantes das atividades do projeto estiveram presentes, colaborando, mais uma vez, a partir de suas vivências. Entre estes estava Adagoberto Arruda, 65 anos, presidente da Associação Cultural Embaixada das Caricatas, que destacou a importância desta iniciativa e chamou a atenção para a homofobia e outras formas de discriminação evidentes na sociedade brasileira: “A terceira idade, de um modo geral, é relegada ao segundo, terceiro plano, porque já acham que não produz mais, então, não interessa, é descartável. Se a pessoa, além de ser idosa, ainda for homossexual… no Brasil se detesta pessoa velha, se detesta gay, de um modo geral. É uma homofobia generalizada. Mesmo quem não se diz homofóbico, tem seu lado homofóbico. (…) A grande maioria das pessoas camufla isso, e você só vai ver quando ela perde a razão, quando ela perde o sentido e taxa a pessoa com o objeto daquele preconceito que ela possui”, avalia Adagoberto Arruda.

Para ele, participar do projeto e do seminário em questão foi uma oportunidade de debater um tema pouco discutido, de forma que avalia que outras iniciativas como essas devem continuar acontecendo, a fim de que “esse primeiro seja uma série e todo ano a ABIA traga essa questão da terceira idade em seminários, para que as pessoas possam aprender, elucidar, contribuir com a sua participação”, destacou ainda o participante.

Além de Adagoberto, também esteve presente Epifânio Corrêa de Souza, da Associação Afro-brasileira de Desenvolvimento Social, que ressaltou que o diferencial do projeto e do seminário foi tratar de um tema mais esquecido que é a terceira idade, em sua interface com a homossexualidade, já que, em geral, tudo é voltado para aspectos do ser jovem.  “A coisa vem do próprio sistema. A gente vive numa sociedade hipócrita, mal resolvida. Então, para abordar essa coisa da homomssexualidade já é complicado, apesar de todo avanço que está havendo. Você imagina para um cara de meia idade, da terceira idade… é complicado”, ponderou o participante.

A questão do isolamento e da solidão entre pessoas homossexuais na terceira idade, em função dos estigmas e preconceitos ainda evidentes e que geram práticas discriminatórias, também foram abordadas por Epifânio como algo marcante na vida de homossexuais idosos/as. Além disso, ele criticou as dificuldades enfrentadas para se assegurar direitos das pessoas idosas e, ao mesmo tempo, o quanto as leis não são cumpridas no país: “Por mais que tenha o Estatuto do Idoso, tudo na teoria é uma coisa. Eu quero ver na prática. Na maioria das vezes, você vê o idoso ser desrespeitado na fila do SUS, do INSS. Se o idoso não tem uma renda que o permita ir para um asilo e a família não tiver condição, ele morre à míngua. (…) O governo deveria dar mais atenção, mas é uma coisa que temos que batalhar muito, pedir muito que dêem mais atenção à terceira idade. Existe o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e por que não dão ênfase também à terceira idade, criando asilo, casa de apoio…?”, falou Epifânio.



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