Resposta à Aids tira o sono de docentes, pesquisadores/as e representantes da sociedade civil
“O que nos tira o sono” é o mote do manifesto lançado nessa terça-feira (21/08) e que aponta sérios problemas no controle da epidemia de Aids no Brasil. Docentes, pesquisadores e integrantes da sociedade civil que assinam o manifesto estão preocupados com a resposta à epidemia no país, que tem apresentado indicadores negativos e produzido um senso comum de que a doença deixou de ser um problema de saúde pública.
- Aumento de 10% no número de óbitos, saindo de 11.100 óbitos em 2005 para 12.073 em 2010. O número equivale a um óbito por hora.
- Redução do número de gestantes com o HIV que recebem o tratamento que pode evitar a transmissão do vírus para o recém nascido: de 53,8% das gestantes soropositivas para o HIV em 2005 para 49,7% em 2008. A falta de diagnóstico e tratamento resulta em três casos de aids em recém-nascidos a cada dois dias.
- Aumento de 12% no número de casos de Aids: de 33.166 casos em 2005 para 37.219 em 2010.
- Apesar disso, estados, como São Paulo, reduzem o número de médicos e fecham serviços e leitos especializados.
Para dar voz ao protesto foram criados um blog (http://oquenostiraosono.tumblr.com/manifesto) e uma página no Facebook (https://www.facebook.com/AidsNoBrasilOQueNosTiraOSono) que abrem espaço para sugestões que possam contribuir para melhoria do cenário e convidam os visitantes a apontarem outros problemas na resposta à epidemia.
Há uma semana da realização do VI Fórum Latino-americano e do Caribe em HIV/Aids e do IX Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids, a referência à insônia é um contraponto à declaração de dirigentes do Ministério da Saúde que, durante a XIX Conferência Internacional de Aids, realizada em Julho, nos Estados Unidos, disseram que nada no Brasil em relação à aids tira o sono deles.
O manifesto é assinado por 54 docentes, pesquisadores e integrantes da sociedade civil e 14 instituições: Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids(NEPAIDS/USP); Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA);Católicas Pelo Direito de Decidir (CDD); Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB); SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade; Grupo Pela Vidda SP; Projeto Purpurina; Fórum de ONG/Aids de São Paulo; GIV – Grupo de Incentivo à Vida; GAPA – RS; RNP+ Núcleo Rio de Janeiro; GAPA – SP; Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde; Sapatá – Rede Nacional de Promoção e Controle Social em Saúde de Lésbicas Negras.
Participem, entrem no blog: http://oquenostiraosono.tumblr.com/manifesto
Você pode mandar sua opinião, compartilhar o que tem tirado seu sono e o que garantiria seu sono
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Ajudem a divulgar!
Qualquer dúvida ou demanda de imprensa, enviem para: manifestoaids@gmail.com
Vejam a íntegra do manifesto:
AIDS NO BRASIL HOJE: O QUE NOS TIRA O SONO?
Enquanto o mundo discute a interrupção da transmissão do vírus da aids, o Brasil perde o controle sobre a epidemia e dorme tranquilo. É o que se pode concluir a partir da XIX Conferência Internacional de Aids, realizada nos Estados Unidos no último mês de julho.
Pela primeira vez na história da epidemia, o mundo ouviu o anúncio de que o conhecimento acumulado, os compromissos assumidos em nível global, as conquistas no campo dos direitos humanos e as tecnologias hoje disponíveis nos permitem ambicionar a erradicação da aids. Na mesma Conferência, porém, ao ser questionado sobre “o que lhe tira o sono hoje?”, o representante do governo brasileiro respondeu que “dorme tranquilo”.
A afirmação de que a epidemia de aids está sob controle no Brasil, além de falaciosa, tem prejudicado a resposta nacional, despolitizando a discussão e afastando investimentos internacionais. Se no passado, declarar que éramos o melhor programa de aids do mundo legitimou as decisões ousadas que outrora caracterizaram o programa brasileiro e que tantos benefícios trouxeram à população, o que temos hoje é, pelo contrário, um programa desatualizado, cujos elementos são insuficientes para enfrentar a configuração nacional da epidemia.
Os atuais indicadores sugerem o esgotamento da nossa capacidade de intervir e de evitar que um número maior de pessoas se infecte e morra em decorrência da aids.
Se é verdade que hoje temos conhecimentos e tecnologias suficientes para erradicar a aids, é também verdade que no Brasil de hoje não os estamos utilizando em sua máxima potência. Conhecimentos acumulados não estão se transformando em políticas públicas que nos coloquem no caminho da última década da epidemia. Novidades no âmbito das tecnologias de prevenção não estão sendo amplamente discutidas e estudadas em nosso contexto. Informações sobre estas novidades não estão sendo incorporadas na formação dos técnicos, nem no diálogo com usuários e pacientes. Grupos mais vulneráveis não estão sendo atendidos com a prioridade que necessitam.
Reconhecer a diversidade de demandas e necessidades presente no cotidiano do país e construir respostas que com elas dialoguem é papel da política pública e só poderá ser feito se todos os setores interessados forem ouvidos, se estudos nacionais forem feitos, se a ação da sociedade civil for fortalecida.
É preciso ousadia para formular políticas que efetivamente ofereçam à população condições para se proteger da infecção e do adoecimento por aids, respeitando a autonomia dos cidadãos, reduzindo vulnerabilidades e assegurando direitos.
É preciso ousadia para redirecionar os esforços para o enfrentamento da epidemia nas populações mais expostas ao risco de infecção, articulando-as a ações para a população geral.
É preciso, em síntese, ousadia para rever a resposta brasileira à epidemia de aids, superar antigos pressupostos e adotar novas práticas, recuperando os princípios essenciais que fizeram da resposta brasileira um exemplo para o mundo.
A capacidade de reconhecer problemas e de mobilizar a sociedade em torno da busca de soluções foram os principais fatores que marcaram a resposta à aids no Brasil.
Na luta contra a epidemia e em defesa dos direitos humanos, aprendemos que todos somos parte da solução. Mais do que dormir e sonhar, queremos construir a muitas mãos as condições para que, no Brasil, a quarta década possa ser a última.