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Dos impasses às escolhas

Dos impasses às escolhas

Lena Lavinas*

Ser mulher não me parece critério suficiente para justificar a eleição de uma candidata à presidência da República. O perfil das mulheres nos cargos eletivos no Brasil ainda é dominado por relações de sangue. Coisa de família…

Há exceções que confirmam a regra. É o caso das duas mulheres que disputaram o primeiro turno das eleições presidenciais. Chegaram munidas de uma biografia militante e valorizadora da função pública. Têm grande mérito por isso. E também porque conseguiram sobreviver com dignidade na política do p minúsculo, aquela da manipulação de todos os dias, dos grandes conchavos e do vale tudo.

Uma pesquisa em curso, financiada pela Secretaria Especial de Mulheres, tenta entender por que há tão poucas mulheres seduzidas pela disputa eleitoral, o que acaba por comprometer a política de cotas. O Supremo Tribunal Eleitoral ameaçou, mas tampouco conseguiu fazer valer, neste pleito, a Lei 12.034/2009 – a cota mínima de 30% das candidaturas para cada sexo nas legendas. Avanços importantes que refletem mudanças nos valores da sociedade, por mais equidade entre os sexos, são desprezados na hora da sua aplicação. Em nome do que, é a grande incógnita.

Mais grave, porém, é constatar que o desprezo pela lei e por princípios de igualdade possa ser subtraído pela aritmética das contas eleitorais. Faz supor que a visão religiosa extremista e dogmática, minoritária no espectro de forças políticas, seja mais efetiva do que dezenas de milhões de brasileiros que, por décadas, promoveram progressos substantivos para fazer do Brasil uma nação grande na tolerância e na sabedoria para lidar com as diferenças. A luta das mulheres foi destacada nesse percurso e contribuiu para construir essa nova e moderna nação brasileira, uma nação de mais respeito, também às mulheres. Sejam elas mães ou não.

Mulheres não são apenas mães como quer fazer crer a propaganda eleitoral que expõe a idéia da “mãe brasileira” através da exposição de gestantes e seus barrigões. A queda constante da fecundidade, hoje em níveis de sociedades desenvolvidas, a mudança nos padrões de conjugalidade, a variedade de arranjos familiares, as taxas de participação feminina no mercado de trabalho, a individuação feminina são evidências incontornáveis de como as mulheres se constroem socialmente e de como se projetam no futuro, sem que isso sofra interferência de suas crenças religiosas. É o que revela, sem ambigüidades, a evolução desses indicadores nos últimos 40 anos. As mulheres se movem pela laicidade das conquistas que tornaram sua trajetória irreversível e vitoriosa nos seus propósitos.

Menosprezar esse fato é arriscar considerar que nós mulheres somos hipócritas, conservadoras e acéfalas. Nem para mães serviríamos, meras reprodutoras. Com isso, nos querem afastar do campo político-partidário, pois torna-se execrável aderir à política do p minúsculo. E julgam, erroneamente, que somos massa de manobra porque culpadas por aquilo que somente nós, mulheres, fazemos. Abortar.

Mulheres abortam e vão continuar abortando. Não por escolha, mas por falta de escolha. Abortam mulheres de todos os credos, cor, origem, escolaridade e renda. Só homens não abortam. Que não se enganem os que pensam ser possível negociar acordos e sustar a marcha das nossas conquistas, nos encobrindo com o véu da vergonha e do crime. Banimos os véus. Vamos seguir e vamos vencer. É o que nos mostra a experiência internacional. E embora não confrontados na alma com a dolorosa experiência do aborto, os homens de bem estarão ao nosso lado. Agora, é a vez da mulher.


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*Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro



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