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Revisitando Maiakoviski. Ou sobre como o silêncio pode ser mortal.

Revisitando Maiakoviski. Ou sobre como o silêncio pode ser mortal.

Queremos casar. Fazemos abortos. Mudamos de sexo.
Amamos viados. Mulheres são nosso ideal.
E, mais que tudo, existimos e resistimos.

Por Luiz Mello*

Quando adolescente, no final dos anos 70, uma das máximas da resistência ideológica de minha geração era um trecho de poema atribuído ao russo Maiakovski, mas que é de Eduardo Alves da Costa. Intitulado No caminho com Maiakoviski, em um trecho diz assim: “Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem; / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada”. Creio que é hora de dizermos:

SOMOS LÉSBICAS, TRAVESTIS, GAYS E TRANSEXUAIS. SOMOS MULHERES E FAZEMOS ABORTOS. REIVINDICAMOS ACESSO IGUALITÁRIO AO CASAMENTO, À UNIÃO ESTÁVEL, AO DIVÓRCIO, À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL, À BARRIGA DE ALUGUEL, À ADOÇÃO. QUEREMOS TER DOIS PAIS HOMENS OU DUAS MÃES MULHERES. SOMOS CATÓLICOS-AGNÓSTICOS-UMBANDISTAS-EVANGÉLICOS-ATEUS E ESTAMOS EM TODOS OS LUGARES.

Não há nenhuma necessidade real de pertencermos a qualquer desses grupos ou de desejarmos usufruir qualquer dos direitos que lhes são negados. O fundamental é ter a clareza de que não se trata apenas de uma ameaça à cidadania e mesmo à sobrevivência física de pessoas homossexuais, travestis, transexuais e de mulheres heterossexuais, embora a garantia de seus direitos humanos seja um imperativo absoluto. Num nível além das aparências mesquinhas, o que está em jogo é algo precioso para todas as pessoas, por serem princípios fundamentais da vida democrática: a laicidade do Estado, a liberdade e autonomia dos indivíduos, a garantia da igualdade na esfera pública.

Agora são as mulheres e os segmentos LGBT os alvos do desejo de morte física e simbólica dos que se auto-intitulam representantes da única concepção aceitável de vida e de humanidade. Amanhã continuarão a ser eles, concretamente expulsos de seus trabalhos e perseguidos rua afora, por termos feito abortos ou por amarmos um igual… Depois de amanhã, … poderá ser qualquer um que se torne o o(a)bjeto da ira dos intolerantes seguidores de um deus inventado para justificar uma lógica perversa de manutenção de privilégios, para os de sempre: machos-dominantes-heterossexuais e os que com eles se macomunam. Basta olhar quem são os donos do poder e quem ocupa majoritariamente os espaços de decisão política de nossa sociedade – nos poderes legislativo, judiciário e executivo, nas igrejas, no tráfico de drogas, na estrutura policial, etc.

Não sei se é lenda, mas há alguns anos ouvi uma história incrível: quando os nazistas invadiram a Dinamarca, não conseguiram prender grande número de gays e lésbicas, diferentemente do que ocorreu em muitos outros países durante a segunda guerra mundial. Antes que as prisões se tornassem um fato irremediável, centenas de milhares de dinamarqueses começaram a usar voluntariamente em suas roupas o símbolo do triângulo rosa invertido, empregado por nazistas para identificar homossexuais nos campos de concentração. A solidariedade foi a fonte da resistência. Não é à toda que muitos anos depois a Dinamarca tornou-se o berço dos direitos conjugais de lésbicas e gays na contemporaneidade.

Apenas por muito pouco estamos hoje distantes das mãos dos que se sentem no direito de dizer quem deve e quem não deve viver – e como viver -, seja por razões de Estado, seja por razões religiosas. Isso é inaceitável. Quando um grupo de pessoas se vê na iminência de perder direitos de cidadania e humanos por terem se tornado o bode expiatório da vez, toda a estrutura democrática da convivência humana está ameaçada. Num momento em que o machismo homofóbico é nitroglicerina pura e o combustível ideológico das igrejas nas disputas de poder relacionadas a um projeto de sociedade que nega direitos sexuais e reprodutivos a grupos específicos, um caminho de resistência talvez seja dizermos que somos tod@s ess@ outr@ que querem calar, castrar, excluir e aniquilar. E é urgente fazermos isso agora, desobedientemente, sem medo de assumirmos politicamente a rebeldia do oprimido que se revolta e não aceita as bases da vida desumanizada que lhe está sendo imposta. Se nos calarmos neste momento, talvez amanhã não possamos dizer mais nada.

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* Pesquisador do Ser-Tão e professor da Universidade Federal de Goiás



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