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Homens traficados forçados a tomar viagra e se prostituirem 24 horas por dia… Peraí!

7 de setembro de 2010, por Laura Agustin

Durante toda a semana recebi artigos de noticiário, cuja fonte é um release da Polícia Espanhola clamando um novo triunfo na cruzada contra o tráfico sexual. Nos anos em que vivi na Espanha, histórias de desbaratamento dessas redes de tráfico eram publicadas continuamente – tão frequentemente que eu ficava imaginando por que a polícia não matizava um pouco esses anúncios. Isso por que eles sugerem que, tanto no passado como agora, infindáveis ações policiais são necessárias no combate a um sem fim de redes organizadas de tráfico de pessoas.

A possibilidade de que a polícia não esteja realmente rompendo essas redes mas capturando alguns de seus organizadores e uma grande quantidade de migrantes sem documentação legalizada, não é, contudo, mencionada nunca. A teoria e a prática que informam o policiamento desse problema social são imperfeitas e ineficazes. É como tentar tapar o vazamento de uma barragem com um dedo.

A Polícia Nacional, responsável por manter migrantes ilegais e contrabando de drogas bem longe da Espanha, emite comunicados para anunciar o sucesso de ditas operações. A investigação em questão teve como resultado tanto a captura migrantes sem documentação quanto de pessoas que facilitavam sua movimentação pelo país, buscando emprego para elas e ganhando dinheiro com isso. Você chamá-los de traficantes, empresários, agentes ou proxenetas. O agenciamento que eles operam é um padrão habitual no ambiente “migrante” e pode tanto ser abusivo ou normal, ou seja no estilo “business”. Não importa muito se os/as migrantes em questão trabalham vendendo sexo ou desenvolvendo qualquer outra atividade, nem tampouco se são homens, mulheres ou pessoas trans. De acordo com informes da polícia, muitos/as migrantes admitiram que estavam cientes do tipo de trabalho que viriam fazer na Espanha.

Claro que é horrível quando migrantes são enganados/as sobre as condições de vida e trabalho que terão, e acabam se sentindo presos/as. O comunicado menciona os apartamentos esquálidos em que alguns migrantes estavam morando. Assista o vídeo divulgado pela polícia e faça seu próprio julgamento de quão demoníaco esse lugares podem ser. O narrador diz que esses migrantes tinham que dar metade de seus ganhos aos “agentes”, além de pagar pela comida e pelo alojamento. É um mal negócio, mas não é escravidão, nem se pode dizer que seja uma situação rara entre migrantes ilegais. O débito mencionado, 4 mil euros, também não é um preço muito alto para vir do Brasil, de onde a maioria desses migrantes disseram que vinham.

O comunicado relata como a polícia espanhola capturou membros de uma rede de tráfico de homens, e não de mulheres. Mas não menciona se antes existia ou não esse tipo de redes, se as cadeias de tráfico de pessoas são todas gênero-específicas, ou que as coisas parecem estar ficando realmente sérias quando homens começam a ser tratados como as mulheres.

Isso não significa, tampouco, que algo especialmente demoníaco esteja em curso por que o comunicado menciona drogas. A Polícia Nacional também é tem como mandato erradicar o narcotráfico, e portanto sempre menciona qualquer ocorrência relacionada a esse aspecto. A presença do viagra faz o cenário ficar mais tilitante e sexo-escravagista. Mas eu acho que a droga nesse caso pode ser vista da mesma forma que o álcool, o haxixe e a cocaína, substâncias que nesses ambientes – algumas pessoas usam para se sentir melhor, melhorar a performance, lidar com uma situação difícil ou se divertir. Sem saber quantos desses migrantes disseram que foram forçados a tomar essas drogas ou a se manterem acordados, é melhor evitar tanta agitação sobre esse assunto.

Os interrogatórios da polícia sobre migrantes capturados nessas operações tendem a ser estéreis e a resultar em informações duvidosas. Pessoas sem documento buscam evitar de todas as formas a deportação. A polícia quer sobretudo encontrar traficantes. A atmosfera conduz a um certo tipo de história que enfatiza ignorância e vitimização: a situação de um interrogatório policial não é exatamente o ambiente em que uma pessoa detida facilmente dá detalhes precisos sobre compra de documentos falsos, venda de sexo ou uso de drogas.

O caso em questão pode ser significativo, mas não temos como saber ao certo. A proliferação da informação — limitada e aparentemente excitante — divulgada por único comunicado por toda a grande mídia, que tratou o caso como uma Grande Terrível Notícia Urgente tem mais a ver com a Internet – não com o jornalismo, ou com a forma como estamos acostumados/as a pensar o jornalismo. Um exemplo egrégio desse tipo de estratégia pode ser encontrado na manchete do Diário Vasco: “Prostitutos forzosos 24 horas a base de viagra” (Prostitutos forçados a tomar viagra 24 horas por dia), seguido pelo típico e imprudente clichê: vinham com a promessa de ser bailarinos ou de exercer a prostituição de alto nível, mas viviam em alojamentos lotados e eram explorados.

Para concluir: pode ser essa uma história particularmente cruel de tráfico? Talvez, mas eu duvido. Merece todo esse frisson? Definitivamente, não.

Leia a notícia no portal G1.globo.com



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