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Dinheiro americano para HIV/AIDS: Mesmo com Obama, a cláusula de prostituição continua vigente

 

Por Natalie Wittlin*

No dia 23 de novemebro de 2009, o Departamento de Serviços de Saúde dos Estados Unidos anunciou novas regras relativas ao financiamento para atividades relacionadas ao HIV/AIDS [1].  As novas diretrizes, embora sejam ligeiramente diferentes daquelas adotadas pela admistração de George W. Bush, continuam impondo restrições fundamentais a organizações norte-americanas e estrangeiras que recebem fundos federais deste país. Para receber esse recursos, as organizações americanas que “não se opõem explicitamente à prostituição” devem estabelecer uma organização afiliada para realizar tais atividades e o financiamento está inteiramente vedado a organizações de outros países que não respeitem a chamada cláusula da prostituição.

Essas regras foram anunciadas alguns dias antes do Dia Mundial de Luta contra a AIDS (terça-feira, 1º de dezembro de 2009), quando o presidente americano Barack Obama anunciou a estratégia de cinco anos para o PEPFAR, o Plano Presidencial de Emergência para Combate à AIDS, programa iniciado pelo ex-presidente Bush, em 2003. A estratégia (que pode ser acessada no site do PEPFAR) busca transitar de uma resposta emergencial para uma resposta sustentável, a qual pretende que outros países implementem seus respectivos programas em parceria com os Estados Unidos, e integra prevenção, tratamento e  cuidados com HIV/AIDS a outros programas relacionados à saúde e desenvolvimento, por exemplo, à saúde reprodutiva, planejamento familiar e erradicação da violência de gênero.

O chamado Ato de Liderança de 2003 é a lei que implementa a seção 7631(f) da lei do PEPFAR, que proíbe o financiamento de organizações que “não têm uma política explícita de condenação da prostituição” [3].  As diretrizes adotadas no dia 23 de novembro de 2009 emendam o texto do Ato de Liderança de 2003 [1].

Em 2006, três organizações norte-americanas representadas pelo Centro Brennan para a Justiça, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, impetraram uma ação contra o Departamento de Serviços de Saúde e a USAID com base na primeira emenda constitucional (livre direito de expressão). Uma corte distrital emitiu uma decisão favorável aos reclamantes, afirmando que impedir organizações norte-americanas de usar fundos federais por elas conduzirem atividades finanaciadas de maneira privada que não se opõe explicitamente à prostituição é, de fato, uma violação da primeira emenda [5].  Em resposta a isso, novas regras do Departamento de Serviços de Saúde definiram que, para receber fundos federais, organizações que cabem nessa categoria deveriam realizar essa atividades que “não condenam a prostituição”, a partir de uma organização afiliada, mas separada. Como a constituição norte-americana não se aplica ao resto do mundo, as restrições de 2003 foram mantidas intactas no caso das organizações de outro países.

Em janeiro de 2009, o Departamento de Justiça, em nome do Departamento de  Saúde, apresentou um recurso para derrubar essa decisão [6]. Mas essa estratégia foi abandonada em julho de 2009 e o Departamento de Serviços de Saúde se comprometeu a produzir até janeiro de 2010 novas regras para o financiamento de  organizações norte-americanas que estão “engajadas em atividades que não são consistentes com a política de se oporà prostituição e ao tráfico sexual” [1], quando então informaria a corte se iria ou não manter o recurso [7].

Essas são as regras anunciadas no dia 23 de novembro de 2009 que modificam pouco as nomas anteriores. O anúncio informa que a partir de agora: “As regras propostas flexibilizam os critérios para que uma organização afiliada receba os fundos e simplifica o processo de comprovação de que as organizações estão, de fato, aderindo à política anti-prostituição” [1].  Contudo, o Centro Brennan para Justiça, num memorando publicado no dia 30 de novembro de 2009, nota que as decisões quanto a restrições para receber fundo serão feitas caso a caso e considera que as novas regras são demasiadamente vagas e dificultam a tarefa das organizações de demonstrarem que estão aderindo à cláusula [8]. Além disso, não houve alterações nas regras de 2003 relativas a organizações estrangeiras que não têm a opção de estabelecer uma organização afiliada.

O sumário executivo da nova estratégia observa especialmente que certos grupos, como o das/os trabalhadoras/es do sexo, são estigmatizados e particularmente estão vulneráveis à infecção pelo HIV. Contudo, como bem analisa a organização CHANGE (Centro para Equidade de Gênero e Saúde), com sede em Washington, a “cláusula anti-prostituição”, gravada na legislação original de 2003, permanece em vigor, pois assim ficou definido na reautorização da lei que aconteceu em 2008. E essa é a lei que assegura o financiamento para AIDS até o Ano Fiscal de 2013.

A lei original estabelecia que: “Nenhum fundo será disponibilizado para a realização desta lei ou nenhuma alteração introduzida por esta lei poderá ser utilizada para dar assistência a qualquer grupo ou organização que não tenha uma política explícita de oposição à prostituição e ao tráfico sexual”. Também definia que organizações estrangeiras que não se “opusessem à prostituição” explicitamente estariam proibidas de receber fundos do PEPFAR. Como se sabe, essa restrição ao financiamento levou o Brasil a suspender o acordo com a USAID para projetos de prevenção ao HIV em 2005. [5]

A estratégia anunciada na última semana observa que “a maior parte das populações de risco – incluindo homens que fazem sexo com homens (HSH), trabalhadoras/es do sexo, e usuários/as de drogas injetáveis – continua enfrentando estigmas que limitam sua capacidade de ter acesso a serviços, o que contribui para a transmissão do HIV”.  A estratégia também afirma que: “os serviços [cuidados e tratamentos de alta qualidade e baixo custo] respondem às necessidades de saúde pública das comunidades marginalizadas, incluindo usuários/as de drogas injetáveis, pessoas na prostituição, e os homens que fazem sexo com homens”.  Ou seja, o texto usa os termos “trabalhadoras/es do sexo” e “pessoas em situação de prostituição” quase como se fossem sinônimos, o que sugere uma fusão problemática entre trabalho sexual e  prostituição/tráfico sexual forçados. Além disso, é questionável que organizações possam trabalhar para diminuir a estigmatização, a marginalização e a vulnerabilidade das trabalhadoras do sexo e, ao mesmo tempo,  “se opor explicitamente à prostituição”. Como Nicole Franck Masenoir e Chris Beyrer, do Centro de Saúde Pública e Direitos Humanos da Escola Universitária de Saúde Pública Johns Hopkins observam: “Um número significativo de estudos publicados e revisados sugere que o empoderamento, a organização e a sindicalização das/os  trabalhadoras/es  do sexo constituem estratégia eficaz de prevenção do HIV e podem reduzir os danos associados ao trabalho sexual, incluindo a violência, a perseguição policial, a gravidez indesejada e o número de prostitutas menores de idade”.  Um balanço de política produzido pelo CHANGE, em 2008, também observa que as restrições de financiamento do PEPFAR “vão na direção contrária às melhores práticas em saúde pública e prejudicam os esforços para deter a propagação do vírus HIV”.

A nova estratégia de Obama também enfatiza a importância de se apoiar em “evidências”  e boas práticas e afirma que é “o trabalho deve ser conduzido, expandindo-se  as atuais parcerias com os/as implementadores/as, pesquisadores/as e organizações acadêmicas para melhorar a qualidade da ciência que informa o trabalho com HIV”. Contudo,  é preciso esperar para saber se essas parcerias um dia irão resultar na abolição da cláusula anti-prostituição.

Referências (em inglês)

[1] U.S. Department of Health and Human Services. (Nov. 23, 2009). 45 CFR Part 89, RIN 0991-AB60, 61097 Action: Notice of proposed rulemaking. Organizational Integrity of Entities Implementing Leadership Act Programs and Activities.
http://regulations.justia.com/view/159362/

[2] The U.S. President’s Emergency Plan for AIDS Relief Five-Year Strategy – Executive Summary of PEPFAR’s Strategy
http://www.pepfar.gov/documents/organization/133035.pdf

[3] P.L. 108-25, the United States Leadership Against Global HIV/AIDS, Tuberculosis, and Malaria Act of 2003
http://frwebgate.access.gpo.gov/cgi-bin/getdoc.cgi?dbname=108_cong_public_laws&docid=f:publ025.108.pdf

[4] H.R. 5501, the Tom Lantos and Henry J. Hyde United States Global Leadership Against HIV/AIDS, Tuberculosis, and Malaria Reauthorization Act of 2008
http://www.pepfar.gov/documents/organization/108294.pdf

[5] Open Society Institute. (2006, May 9). Judge Rules in Favor of AOSI, Says USAID Pledge Rule Is Unconstitutional. Retrieved from http://www.soros.org/initiatives/health/focus/sharp/news/pledge_20060509

[6] Masenior, N. F., & Beyrer, C. (2007). The US Anti-Prostitution Pledge: First Amendment Challenges and Public Health Priorities. PLoS Med, 4(7), e207.

[7] Jacobson, J. (2009, July 22). DOJ Drops Appeal of ‘Prostitution Pledge’ Injunction. RHRealityCheck.org. Retrieved from:
http://www.rhrealitycheck.org/blog/2009/07/21/department-justice-withdraws-appeal-injunction-against-prostitution-pledge
Also available at HuffingtonPost.com:
http://www.huffingtonpost.com/jodi-jacobson/doj-drops-appeal-of-injun_b_242676.html

[8] Abel, L., & Diller, R. (Nov. 30, 2009). Memorandum re: HHS’ proposed regulation. Brennan Center for Justice at NYU School of Law.

[9] Center for Health and Gender Equity. (August 2008). Implications of U.S. Policy Restrictions for HIV Programs Aimed at Commercial Sex Workers. Retrieved from: http://genderhealth.org/pubs/APLO.pdf

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*Natalie Wittlin é do secretariado do Observatório de Sexualidade e Política, com sede na Universidade de Columbia, em Nova York, EUA



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