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Terceira sessão – Sexualidade e economia: visibilidades e vazios

Dia 25/8/09 – manhã

Corina Rodriguez, Gabriela Leite, Ana Paula da Silva e Thaddeus Blanchette
Corina Rodriguez, Gabriela Leite, Ana Paula da Silva e Thaddeus Blanchette

O texto panorâmico para a terceira sessão, intitulado A prostituição como atividade econômica no Brasil urbano, foi produzido e apresentado por Ana Paula Silva, professora do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), no Rio de Janeiro, e Thaddeus Blanchette, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e também da UNISUAM. A sessão foi coordenada por Gabriela Leite, diretora da ONG Davida – Prostituição, Direitos Civis, Saúde, com sede no Rio de Janeiro, e os comentários foram feitos por Corina Rodríguez, economista, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Coincet) e do Centro Interdisciplinar para Estudo de Políticas Públicas (Ciepp) e professora em universidades federais na Argentina.

Gabriela Leite começou a sessão destacando que pensar a economia na prostituição não é só pensar segundo uma lógica financeira. Para ela, esta é apenas uma das dimensões do tema que não pode ser analisado sem referência ao que ela denomina “economia do desejo”. Gabriela também sublinhou que há muito que aprender com as prostitutas, mas, para isso, é preciso tomar distância das visões estereotipadas sobre prostituição.

Em seguida, Ana Paula iniciou a apresentação do texto, destacando que ele resulta do trabalho de pesquisa recente, o qual desdobrou de um estudo anterior sobre turismo sexual em uma boate da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Essa primeira pesquisa indicou que era fundamental alargar os estudos sobre a economia da prostituição feminina como atividade econômica no Brasil urbano e conhecer melhor a  lógica do mercado sexual no Rio de Janeiro e deus condicionantes. Os dados apresentados foram coletados durante cinco anos, num estudo antropológico sobre pontos de prostituição, prostitutas e clientes na cidade do Rio de Janeiro e, no momento, a pesquisa deverá se expandir para outras cidades (São Paulo, Curitiba, Goiânia), assim como para cidades do Norte e do Nordeste.

Ana Paula lembrou que, historicamente, a prostituição é percebida no Brasil como um fenômeno semicriminoso ou, quando não, como uma questão de ordem pública:

“[cuja] ..análise, ordenação e (ocasional) repressão cabem propriamente às autoridades instituídas do Estado. Em geral, essas são oriundas de dois campos políticos/científicos: o jurídico (composto de policiais, juízes e criminologistas) e o médico, particularmente a área da saúde pública. A preocupação principal desses agentes tem sido limitar os supostos contágios do ‘vício’ do sexo comercial para que estes não infectassem a família”.

Segundo ela, por um lado, a visão secular sobre o “problema da prostituição” foi e continua permeada de concepções que enfatizam a noção de mulher viciosa, mas também vulnerável e escravizada. Por outro, os discursos religiosos, especialmente nas versões dogmáticas,  descrevem as prostitutas como pecadoras que devem ser salvas antes de serem perdoadas.  O traço comum entre as duas visões morais da prostituição é que ambas negam que a motivação primária para a decisão da pessoa se prostituir possa ser, simplesmente, a racionalidade econômica. Em contraste, o material empírico coletado pela pesquisa indica que a quase totalidade das entrevistadas escolhe a prostituição como atividade que as remunera melhor do que outras opções do mercado de trabalho, o que pode ser sintetizado pela resposta de uma das entrevistadas:

“It’s money, honey. É tudo por dinheiro. O que você acha?”

Ana Paula e Taddheus qualificam a prostituição no chamado eixo Rio-São Paulo como “normativa” ou “modelar”. Essa região, que concentra cerca de 30% da população brasileira, constitui um pólo histórico de migração interna, e o que acontece nestas duas capitais repercute por todo o país. Os resultados da pesquisa indicam que ainda hoje o Rio de Janeiro e São Paulo atraem trabalhadoras sexuais de todo o país e continuam sendo as cidades mais citadas pelos clientes entrevistados, particularmente os estrangeiros, mesmo que na mídia e no senso comum o Nordeste seja hoje o novo pólo de turismo sexual.

Ana Paula enfatizou ainda que para analisar a prostituição como atividade econômica é fundamental analisar o panorama do mercado de trabalho brasileiro a partir de uma perspectiva de gênero. Quando se consideram os três indicadores que compõe o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – esperança de vida, educação e renda –, existe paridade ou mesmo vantagem da população feminina no caso das duas primeira variáveis. Mas no caso da renda a disparidade persiste. As mulheres são hoje 45% da população economicamente ativa mas, em média, sua renda salarial é 30 % menor que a dos  trabalhadores masculinos. Além disso, as mulheres continuam concentradas no setor de serviços, especialmente serviços domésticos (cerca de 19% do total de trabalhadoras brasileiras). Por fim, a divisão sexual do trabalho que ainda persiste faz com que as mulheres continuem, predominantemente, responsáveis pelos afazeres domésticos, o que demanda horários de trabalho flexíveis. Assim:

“A prostituição oferece iguais ou até melhores condições de trabalho, por um ‘salário’ bem maior do que quase qualquer outro tipo de trabalho constitutivo de gueto dos subempregos femininos. O dinheiro é maior, o horário mais flexível e as violações dos direitos das trabalhadoras não são piores do que em qualquer outra profissão feminina no universo urbano, segundo nossas informantes”.

Embora parte significante das prostitutas ouvidas na pesquisa diga que a prostituição não é um trabalho agradável ou ideal, elas alegam permanecer na atividade em razão da remuneração que, em muito casos, lhes possibilitou maior mobilidade sócio-econômica do que as demais opções ocupacionais disponíveis (como caixa de supermercado, por exemplo). A prostituição não apenas paga mais que o salário mínimo oferecido nestas alternativas de emprego, mas também proporciona razoável flexibilidade em termos de jornada de trabalho. Na mostra da pesquisa há, inclusive, casos de mulheres que abandonaram profissões de maior status e razoavelmente bem remuneradas – como o trabalho de corretora de imóveis – para trabalhar na prostituição. Ana e Thaddeus também observam que o casamento não é percebido como uma porta de saída potencial da prostituição. Os depoimentos coletados na pesquisa revelam que muitas mulheres se prostituem para complementar a renda da família.

Apesar das vantagens do trabalho sexual descritas pelas informantes, a análise também pontua que se trata de uma atividade que pode ser muito cansativa, implicar em riscos e insalubridade. Na medida em que a legislação vigente no país é contraditória – não criminaliza as mulheres,  mas sim a exploração da prostituição –, há obstáculos para uma regulamentação profissional que poderia, eventualmente, criar melhores condições laborais.  Os/as dois/as autores/as descrevem situações de exploração e violência exercidas por  cafetões, donos de boates, casas noturnas e termas, que não é nunca coibida, pelo fato da profissão não ser reconhecida como trabalho.

“Em outras palavras, embora a cafetinagem, em sua acepção mais brutalmente exploradora, não pareça ser estruturalmente significante na organização econômica da prostituição urbana (particularmente no Rio de Janeiro), existe uma série de agentes que exploram a prostituta, no sentido marxista da palavra, através da expropriação dos frutos de seu trabalho. A desregulamentação do trabalho sexual impede a organização efetiva das prostitutas, enquanto classe, para manter as atividades desses agentes dentro dos limites do aceitável”.

Com relação à geografia humana do trabalho sexual no Rio de Janeiro, Ana e Thaddeus apresentam um mapa preliminar do mercado de serviços sexuais femininos na cidade. Nesse exercício, problematizam a hierarquia consagrada nas ciências sociais acerca do “baixo, médio e alto meretrício”, observando que tal classificação estabelece uma escala tanto econômica, quanto moral, para classificar tipos de trabalho sexual:

“Em primeiro lugar, não existe prova alguma de que a prostituição mais barata é, por natureza, necessariamente mais violenta, degradante ou até promíscua que a prostituição mais cara, como Dantas argumenta. No máximo, isto só pode ser qualificada como hipótese a ser explorada. Em segundo, não existe uma concordância absoluta entre os tipos de trabalho sexual, os preços pagos por ele, os tipos de clientes que o compram e os tipos de mulher que os providenciam”.

No mapeamento feito dos locais de serviço sexual no Rio de Janeiro, Ana e Taddheus identificaram 304 “pontos” que classificam em três tipos básicos: pontos fechados, que são lugares com pouca ou nenhuma visibilidade frente ao entorno social, como é o caso de termas, boates, casas de massagem e privês; pontos abertos, que são locais ao ar livre potencialmente visíveis aos olhos da sociedade, como ruas, bares, restaurantes e praias; e lugares mistos, que são estabelecimentos simultaneamente abertos e fechados. A pesquisa também detalha as atividades e modalidades encontradas em cada tipo de ponto e analisa “categorias morais da prostituição”.

Assim, o objetivo do estudo foi contribuir para desnaturalizar e desconstruir os preconceitos relacionados ao mercado do sexo no Brasil, estimulando a elaboração de pesquisas semelhantes em outras regiões do país.

:: COMENTÁRIOS ::

Corina Rodríguez fez seus comentários como uma economista que pensa questões de economia a partir da perspectiva feminista. Observou, contudo, que suas reflexões acerca das vinculações entre sexualidade e economia são ainda exploratórias e preliminares. Suas observações  foram de duas ordens. Num  primeiro bloco, ela examinou questões suscitadas pela leitura do texto panorâmico e, em seguida, elaborou algumas reflexões sobre aspectos que, ao seu ver, precisariam ser incluídos na análise.

A economista reiterou a importância de considerar a prostituição uma atividade econômica, situada no contexto mais amplo da inserção das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, marcada por uma segregação ocupacional baseada no sexo, da qual resulta que as mulheres estejam em setores de maior informalidade e precariedade e que haja uma persistente disparidade salarial entre homens e mulheres. Contudo, também interrogou a noção de escolha da atividade, enfatizada pelo texto panorâmico, a partir da perspectiva desenvolvida por economistas feministas, que consideram necessário e produtiva questionar os pressupostos de escolha racional que informam a economia clássica, pois essas escolhas estão sempre contaminadas por posições individuais e contextos determinados pela lógica mais geral do capitalismo e da dominância masculina.

Além disso, ao “tornar igual” o trabalho na prostituição e outro emprego qualquer, a análise tende a inviabilizar as peculiaridades da ocupação que tem traços muito distintos de empregos convencionais, já que é cercada por marginalidade, forte estigma social, maior vulnerabilidade à violência física e à transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, ou mesmo a formas específicas de exploração por parte de cafetões. Por outro lado, se o nível de remuneração, a autonomia e a flexibilidade são vantagens evidentes nesta ocupação, também é preciso reconhecer que as prostitutas vivem situações de insegurança e vulnerabilidade e, sobretudo, carecem de políticas públicas e direitos a que tem acesso, pelo menos formal, as demais trabalhadoras.

Finalmente, Corina complementa com dimensões importantes ausentes no texto panorâmico que, ao seu ver, deveriam ser incluídas na análise. A primeira diz respeito a situar o estudo realizado no Rio de Janeiro no contexto brasileiro mais amplo, pois, em outros lugares, o mercado do sexo pode assumir configurações diferentes das que se observam no Rio de Janeiro e São Paulo. Em segundo lugar, seria muito importante estimar qual é a contribuição do mercado do sexo para a economia da cidade e do país, apontando qual é relação desta com outros setores, como no caso do turismo. Ela sugeriu ainda que seria fundamental examinar se as ações estatais relativas à prostituição se resumem à ação policial repressiva ou se incluem aspectos relativos à regulação no sentido econômico e, sobretudo, se existem ou não políticas públicas específicas para responder às necessidades das trabalhadoras sexuais. Corina finalizou enfatizando que, nesse campo de pesquisa, é crucial estabelecer o debate entre políticas públicas de reconhecimento e políticas redistributivas.

> Leia o resumo do painel 3



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